Dirigismo Contratual
alexandrovsk20 de Enero de 2014
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I. INTRÓITO
Os princípios jurídicos do direito contratual remontam aos tempos áureos do liberalismo individualista do século XIX. Sua maior expressão foi o Código Civil francês de 1804, de inspiração Napoleônica.
De lá para cá pouca mudança substancial houve. Exceto pela influência fundamental do chamado dirigismo contratual, que restringiu a autonomia da vontade dos contratantes a partir da edição de normas legislativas estabelecendo condições contratuais mínimas, os princípios jurídicos do regime contratual ostentam, ainda hoje, suas bases em três pilares fundamentais. São eles: a) a autonomia da vontade; b) a supremacia da ordem pública; c) obrigatoriedade das convenções ou "pacta sunt servanda".
A liberdade contratual, pois, é ainda, a viga-mestra do direito contratual. Posteriormente, com o advento da reforma protestante, esquiva-se em parte da tese sustentada pelo jusnaturalismo teológico. Agora, muito embora não se negue a divindade, cada pessoa, se for pura de coração e dotada de razão, seria capaz de perceber os desígnios de Deus. Claro que as idéias de Lutero serviram de um grande pano de fundo para se legitimar certas ações do poder, como no caso de Henrique VIII, que criou a igreja anglicana para contrair núpcias que não eram permitidas pela Igreja católica. Ainda assim, começa a ser questionado o poder de Deus, com a convicção de que ele não seria tão poderoso quanto se pensava anteriormente.
Hugo Grotius, um dos maiores mentores intelectuais dessa corrente chamada de jusnaturalismo antropológico, é um dos que salienta que o poder de Deus, apesar de supremo, não seria ilimitado, pois, segundo ele, nem Deus poderia modificar o direito natural.
Assim dizia:
"...embora seja imenso o poder de Deus, podem-se, contudo, assinalar algumas coisas as quais não alcança...assim, pois, como nem mesmo Deus pode fazer com que dois e dois não sejam quatro, tampouco pode fazer com que o que é intrinsecamente mau não o seja...Por isso, até o próprio Deus se sujeita a ser julgado segundo esta norma..."
Como se vê, há uma limitação ao poder da divindade, muito embora não se negue a sua força de mecanismo legitimador da esfera pública.
II. HISTÓRICO
2.1. FORMAÇÃO HISTÓRICA E PRESSUPOSTOS IDEOLÓGICOS
O conceito moderno de contrato formou-se em conseqüência da confluência de diversas correntes de pensamento, dentre as quais:
42082. A dos canonistas (consenso e fé jurada; abriram caminho para a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo);
42083. a da escola do direito natural (o fundamento da obrigação é a vontade livre dos contratantes).
A moderna concepção do contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico, se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção. Todavia, a evolução de direito nos tempos caminha para um sentido contrário.
Com o advento da Revolução Francesa, e surgimento da Era Moderna, começa a ocorrer um fenômeno curioso: a identificação dos conceitos de trabalho e ação, próprios da teoria de Hannah Arendt. A ação passa a perder a noção de virtude que lhe era intrínseca, passando a ser observada como uma atividade voltada para a obtenção de fins a partir de determinados meios.
Tal fenômeno traz em seu bojo uma crescente aproximação entre jus e lex, passando o direito a ser visto como sinônimo de norma, adotando-se uma razão meramente instrumental.
O agir político, agora, é visto como um centro produtor de "bens de uso", como ordem, segurança, paz etc. Começa a surgir não uma esfera autônoma, intermediária entre a pública e a privada, a social, haja vista que tal esfera tem a finalidade de trazer elementos que, na antigüidade, eram próprios do mundo privado para a seara que era estritamente pública.
Pode-se dizer que o social, pois, seria como que uma junção de aspectos da esfera pública e privada. Logo, surge a dicotomia direito individual (privado) versus direito coletivo (público), com a idéia de prevalência deste sobre aquele, muito embora ambas as formas de observação são sociais. A forma de solucionar tal impasse consiste em se criar um ente que envolva ambas as partes da dicotomia social, que funcionará como um catalisador a equilibrar essas forças. Tal ente, fruto do trabalho, é o Estado.
O fundamento de um direito natural dito democrático, pois, estaria na vontade da maioria, pois a maioria deteria a legitimidade do poder e seria apta a decidir os conflitos surgidos. Aqui, já se percebe o abandono da divindade como epicentro de um direito natural, em virtude do surgimento da modernidade ocidental com o Estado moderno e as respectivas diferenciações normativas.
2.2. O CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
Diversas causas concorreram para a modificação da noção de contrato:
a insatisfação da maioria da população pelo desequilíbrio entre as partes, atribuído ao princípio da igualdade formal;
a modificação na técnica de vinculação por meio de uma relação jurídica;
intromissão do Estado na economia.
Modificações: limitação legal da liberdade de contratar (liberdade de celebrar contrato, liberdade de escolher o outro contratante e liberdade de determinar o conteúdo do contrato), ou seja, dirigismo contratual; simplificação no processo de formação (massificação de certos contratos resultado da uniformização de suas condições ou cláusulas e despersonalização dos contraentes); legislação de proteção (ex.: contratos trabalhistas); legislação de apoio aos grupos organizados (sindicatos).
Passa-se a dissociar a relação contratual do acordo de vontade, com o propósito de explicar certas anomalias, como a prorrogação legal das locações, e justificar a diversidade de critérios de interpretação e a repartição dos riscos. Nos contratos contemporâneos há uma maior preocupação com a defesa dos aderentes, até porque as regras sobre a declaração da vontade e os vícios do consentimento quase não se lhe aplicam.
A revolução industrial transformou aquele que trabalhava em um operário, numa atividade ininterrupta - característica própria do labor arendtiano - de produção de objetos de consumo. O labor passa então a ser mais uma força de produção do que quaisquer outras formas de conceituação, sendo o homem o próprio instrumento da consecução de seus fins. Transpondo tal conceito para a esfera pública, verificamos o Estado como interventor na atividade econômica, um dos pilares do dirigismo contratual, e o direito agora observado como objeto de consumo, ou seja, pouco importa a matéria regulada: o que interessa é a produção em larga escala, por parte do Estado, de normas jurídicas que venham a regular as condutas intersubjetivas relevantes.
O problema está exatamente na questão da relevância, pois hoje em dia cada vez mais a máquina estatal serve mais para atender aos interesses de grupos setorizados, muito embora utilize um mecanismo de legitimação legal-racional que, no mais das vezes, é estritamente formal, pois a ilação entre labor e trabalho não permite uma observação de cunho material. A produção em larga escala é o que interessa. Como o povo parece estar ávido pela normatização, tenta-se resolver a questão através de fórmulas prontas, que não se coadunam às necessidades sociais, gerando o chamado jusnaturalismo de conteúdo variável como sendo aquele que acompanha as mudanças sociais, e como tal, não paira, no nosso entender, sobre o direito estatal, mas sim caminha lado a lado, dinamizando a estrutura de direitos que não se efetivam pela inércia do Estado.
Como o Estado pretende deter o monopólio dessa produção, ele se encontra em um beco sem saída, pois a regulação formal, quando há, não possui mecanismos de efetivação no mundo empírico, gerando a atuação intensa da sociedade civil no sentido de se auto-regular, em função da inércia do Estado na tutela ao mundo da experiência, o que torna a distinção entre direito público e privado desprovida de rigor científico, pois a produção, por ser em série, pode abarcar tanto uma quanto outra esfera, indistintamente. Com o advento da Revolução Francesa e a conseqüente consagração dos ideais da burguesia, surge o Estado moderno, como pilar básico da emancipação das ordens normativas, que, a princípio adotou os ideais liberais de então. Era o chamado Estado liberal, que tinha por modus operandi a existência do Estado mínimo, que só regularia a estruturação do poder estatal e os limites de seu exercício, que configurariam a esfera pública, entendida como estatal. Tal atuação mínima tinha por escopo a preservação da liberdade individual, no sentido de permitir a existência de relações jurídicas quaisquer, desde que não ferissem os interesses e as normas do Estado.
Como o Estado só normatizava de maneira genérica a respeito de sua organização, exercício e limites do seu poder, praticamente os indivíduos, em suas relações entre si, ficavam livres para estipular quaisquer cláusulas e condições em um negócio jurídico. Desse modo, a doutrina do Estado liberal passa a interferir diretamente na teoria dos contratos, surgindo com ele o chamado princípio da
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