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Radicalismos, Antonio Candido


Enviado por   •  24 de Noviembre de 2013  •  7.014 Palabras (29 Páginas)  •  299 Visitas

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O meu intuito é mostrar a ocorrência de idéias radicais no Brasil e tentar caracterizá-las por meio de alguns exemplos, tendo como ponto de referencia três autores significativos. Para isso, é bom começar mencionando o seu oposto, o pensamento conservador, pois à medida que o tempo corre verifica-se que um dos traços fundamentais da mentalidade e do comportamento político no Brasil é a persistência das posições conservadoras, formando uma barreira quase intransponível. Já se tornou lugar-comum dizer que só temos conseguido formular pontos de vista enquadrados por elas, mas quase ninguém lembra o seguinte: o escritor que disse isso pela primeira vez, de modo talvez insuperado até hoje, foi Manoel Bomfim, cujo pensamento pode ser considerado plenamente radical. Outra coisa a ser mencionada: investigar os traços de pensamento radical é condição indispensável para o exercício adequado e eficiente das idéias de transformação social, inclusive as de corte revolucionário.

Pode-se chamar de radicalismo, no Brasil, o conjunto de idéias e atitudes formando contrapeso ao movimento conservador que sempre predominou. Este conjunto é devido a alguns autores isolados que não se integram em sistemas, pois aqui nunca floresceu em escala apreciável um corpo próprio de doutrina politicamente avançada, ao contrário do que se deu em países como o Uruguai, Peru, México e Cuba. Digo que o radicalismo forma contrapeso porque é um modo progressista de reagir ao estímulo dos problemas sociais prementes, em oposição ao modo conservador. Gerado na classe média e em setores esclarecidos das classes dominantes, ele não é um pensamento revolucionário, e, embora seja fermento transformador, não se identifica senão em parte com os interesses específicos das classes trabalhadoras, que são o segmento potencialmente revolucionário da sociedade.

De fato, o radical se opõe aos interesses de sua classe apenas até certo ponto, mas não representa os interesses finais do trabalhador. É fácil ver isso observando que ele pensa os problemas na escala da nação, como um todo, preconizando soluções para a nação, como um todo. Deste modo, passa por cima do antagonismo entre as classes; ou por outra, não localiza devidamente os interesses próprios das classes subalternas, e assim não vê a realidade à luz da tensão entre essas classes e as dominantes. O resultado é que tende com freqüência à harmonização e à conciliação, não às soluções revolucionárias.

Quando o Duque de La Rochefoucauld-Liancourt deu a notícia da tomada da Bastilha a Luís XVI, este perguntou atônito: "Mas então é uma revolta?". E o outro: "Não, Senhor, é uma revolução". Glosando os termos desse diálogo célebre, dir-se-ia que o radical é sobretudo um revoltado, e embora o seu pensamento possa avançar até posições realmente transformadoras, pode também recuar para posições conservadoras. Mesmo que o pensamento chegue a um teor de ousadia equivalente à do pensamento revolucionário, em geral ele não produz um comportamento revolucionário. O revolucionário, mesmo de origem burguesa, é capaz de sair da sua classe; mas o radical, quase nunca. Assim, o revolucionário e o radical podem ter idéias equivalentes, mas enquanto o primeiro chega até a ação adequada a elas, isto não acontece com o segundo, que em geral contemporiza na hora da ruptura definitiva.

No entanto, em países como o Brasil o radical pode ter papel -transformador de relevo, porque é capaz de avançar realmente, embora até certo ponto. Deste modo pode atenuar o imenso arbítrio das classes dominantes e, mais ainda, abrir caminho para soluções que, além de abalar a rija cidadela conservadora, contribuem para uma eventual ação revolucionária. Isso porque nos países subdesenvolvidos, marcados pela extrema desigualdade econômica e social, o nível de consciência política do povo não corresponde à sua potencialidade revolucionária. Nessas condições o radical pode assumir papel relevante para suscitar e desenvolver esta consciência e para definir as medidas progressistas mais avançadas no que for possível. Digamos que ele pode tornar-se um agente do possível mais avançado.

Portanto, no que tem de positivo o radical serve à causa das transformações viáveis em sociedades conservadoras como a nossa, cheias de sobrevivências oligárquicas, sujeitas ainda por muito tempo à interferência periódica dos militares. O radicalismo seria um corretivo da tendência predominante nessas sociedades, que consiste em canalizar as reivindicações e as reformas, deformando-as por meio de soluções do tipo populista, isto é, as que manipulam o dinamismo popular a fim de contrariar os interesses do povo e manter o máximo possível de privilégios e vantagens das camadas dominantes.

Mas o radical pode também ser fator negativo, na medida em que traz consigo elementos de atenuação, e mesmo de oportunismo inconsciente, que podem desviar o curso das transformações. Ele tem de fato um toque de ambigüidade, mas por isso mesmo pode ser conduzido para o seu lado melhor e contribuir para políticas realmente transformadoras, em termos adequados à realidade social e histórica de seu país, e não segundo tentativas mais ou menos frágeis de transpor fórmulas elaboradas para outros contextos.

Neste sentido pode-se lembrar o destino histórico do marxismo, que é sempre apresentado como a doutrina em estado de pureza por todos os regimes que o adotam, mas que no entanto só tem funcionado quando se combina às tradições radicais de cada lugar, propiciando combinações que permitem o seu êxito. É o caso da Rússia, onde o encontro com a tradição local produziu o marxismo-leninismo, fórmula que só vale integralmente para ela. E o caso do maoísmo, que foi o encontro do marxismo com as tradições de revolta agraria da China, dando lugar a uma fórmula que só para ela funciona. Perto de nós é o caso de Cuba, onde o que se chama oficialmente marxismo-leninismo é na verdade uma combinação feliz do marxismo com a tradição radical do País, sobretudo o pensamento de José Martí e a prática guerrilheira que veio desde as lutas pela independência política no século passado.

Resumindo: os radicalismos de cada país podem ser a condição de êxito do pensamento revolucionário, inclusive o que se inspira no marxismo. Daí ser conveniente investigar quais são os tipos e mesmo os simples fermentos ocasionais de radicalismo no passado brasileiro, a fim de que se possa não apenas por meio deles combater o pensamento e a prática conservadora, maciço central da nossa tradição política, mas também usá-los como ingredientes para a transposição e eventual criação de posições revolucionárias.

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