João Cabral De Melo Neto
RodrigoRuibal28 de Enero de 2013
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O Escultor de Poemas
Segundo João Cabral de Melo Neto, a composição poética, no seu tempo, podia ser vista de dois diferentes ângulos, seguindo o afazer poético de duas vertentes de poetas. Por um lado, encontravam-se aqueles – segundo ele, a maior parte dos poetas brasileiros – para quem a composição poética era o ato de aprisionar a poesia no poema e, por outro, aqueles cujo fazer poético implicava elaborar a poesia em poema. Era para uns “...o momento inexplicável de um achado e para outros as horas enormes de uma procura...” . Contudo, ainda que o autor defina essas duas categorias de poetas, ele não concebe, na poesia de seu tempo, a ideia de uma teoria da composição, ele não vê um pensamento estético universal, pois pensa que cada poeta, no afã ser original, trabalha à sua maneira, da forma que lhe seja mais conveniente. E assim, “cada poeta tem a sua poética” , o que faz com que a literatura careça de qualidades como proporção, equilíbrio e objetividade. Ele não vê, no seu tempo, uma arte, uma poesia, senão artes, poesias: “Cada arte se fragmentou em tantas artes quantos foram os artistas capazes de fundar um tipo de expressão original” . E o pior de tudo, para ele, é que essa fragmentação trouxe o empobrecimento da técnica, a diminuição da arte, e uma arte desfragmentada perde a sua função, desaparece.
O primeiro grupo de poetas encontra a poesia. “Os poemas são iniciativa da poesia. Brotam, caem, mais di que se compõem.” . Para estes poetas, não há composição poética; eles não compõem, pois se limitam a registrar, rapidamente e sem muito trabalho, o que a sua inspiração lhes dita, antes que essa voz interior se cale. Eles não constroem com seu suor o poema, eles não se impõem o poema, o esperam, e quando chega, o aprisionam no papel. Este poeta, mais espontâneo, olha para a composição como algo inferior e até sacrílego, pois acredita que a menor mudança de palavras comprometerá o poema falsificando-o. Desta forma, a sua obra “...é, em regra geral, a tradução de uma experiência direta. O poema é o eco, muitas vezes imediato dessas experiências. É a maneira que tem o poeta de reagir à experiência. O poema traduz a experiência, transcreve, transmite a experiência. Ele é então como um resíduo e neste caso é exato empregar a palavra ‘transmissor’ de poesia.” Por outro lado, o segundo grupo de poetas, mais escassos, são quem suam frente à folha; são aqueles que conhecem a força que têm que fazer diante do papel, são aqueles que “...sabem de que é feita essa força – é feita de mil fracassos, de truques que ninguém deve saber, de concessões ao fácil, de soluções insatisfatórias, de aceitação resignada do pouco que se é capaz de conseguir e de renúncia ao que, de partida, se desejou conseguir.” . O poeta desta família é um autor difícil, ele desconfia de tudo que lhe venha através da inspiração, de tudo o que não seja de sua labuta, de cada palavra que não venha da sua própria razão, de cada verso que não cheire a seu próprio suor. Por outro lado, o poeta desta família “... é tão individualista como aqueles outros poetas que aceitam cegamente o ditado de seu anjo ou de seu inconsciente” , e isto, na ânsia pela originalidade, faz com que o poeta não possua um gênero definido, com que seu trabalho não se engaje em nenhuma regra pré-estabelecida; o poeta não se compromete com as próprias leis que cria, envenenando a sua própria obra pela heterogeneidade de sua composição. Ao não ser consequente com as suas próprias normas, sua obra torna-se ilógica, contraditória, tão despossuída de coerência interna que se converte num balbucio solitário, e tão hermética, que acaba por atingir um dos atributos essenciais da literatura: “... o de ser uma atividade criadora, isto é, que visa a obter resultados concretos, obras. [...] O trabalho se converte em exercício, isto é, numa atividade que vale por si, independentemente de seus resultados” . Morre a comunicação. O autor fala sozinho sem ninguém que possa ouvi-lo, pois ele mesmo se encarregou de ensurdecer o seu interlocutor.
Entretanto, e apesar da crítica que faz a este tipo de autor, João Cabral de Melo Neto parece se aproximar desta linha de poetas, pois afirma que “... não se pode negar que essa atitude pode contribuir para uma melhor realização artística do poema, pode criar o poema objetivo, o poema no qual não entra para nada o espetáculo de seu autor e, ao mesmo tempo, pode fornecer do homem que escreve uma imagem perfeitamente digna de ser que dirige sua obra e é senhor de seus gestos” .
As páginas anteriores resumem a conferência pronunciada por João Cabral de Melo Neto, na Biblioteca de São Paulo, em 1952. No quadro dessa modernidade descrita quase como beco sem saída, Cabral opta, contra o espontâneo, pelo pólo construtivo. E o faz, a rigor, como confirmação e último desenvolvimento da condição moderna, pois entende que o poeta construtivo leva às derradeiras conseqüências o individualismo, na medida em que afirma como referencial último da sua escrita “a consciência das dicções de outros poetas que ele quer evitar, a consciência aguda do que nele é eco e que é preciso eliminar a qualquer preço” .
É esse o problema que Cabral retoma na tese que leu no Congresso de 1954, e na qual aborda especificamente a relação da poesia com os novos meios de comunicação de massa. Nesse texto, embora ainda afirme o caráter multiforme da ‘poesia moderna’, Cabral acredita ser possível achar um denominador comum às práticas contemporâneas: o “espírito de pesquisa formal”. Em continuidade ao que apresentara na Biblioteca, dois anos antes, opera com a oposição entre as duas famílias de poetas. Mas já agora o que lhe importa é que nenhuma das famílias se teria empenhado em promover o ajustamento do poema à sua possível função, disso tendo resultado o caráter intransitivo e inócuo da poesia contemporânea em relação às necessidades do tempo. A tarefa urgente, afirma, é buscar para o poema uma função na vida do leitor moderno, seja pela adaptação aos novos meios de comunicação (o rádio, o cinema e a televisão), seja pelo retorno a formas que pudessem aumentar a comunicação com o leitor, como a poesia narrativa, as aucas catalãs (que ele considera as antepassadas das histórias em quadrinhos), a fábula, a poesia satírica e a letra de canção. Tendo em vista a urgência da tarefa, o seu texto termina por conclamar os poetas a combater “o abismo que separa hoje em dia o poeta do seu leitor” , por meio do abandono dos temas intimistas e individualistas e pela conquista de formas mais funcionais, que permitam “levar a poesia à porta do homem moderno” .
Analisando estes dois textos, vemos que é difícil fazer um esquema dos preceitos que guiaram a composição poética de João Cabral de Melo Neto. Embora possamos pensar dedutivamente e tentar chegar a alguma conclusão a partir das críticas que faz, seguramente, muito pouco conseguiremos tirar a limpo. Contudo, é possível assegurar que, para o poeta, uma das regras de sua poética é a comunicabilidade; a ausência do hermetismo que tanto critica. Por outro lado, também é possível afirmar que ele se coloca do lado dos poetas difíceis, daqueles que se impõem o poema, dos que labutam, dos que desconfiam de tudo que lhes venha através da inspiração. Cabe acrescentar, ademais, que, ao criticar a inconsequência dos poetas com suas próprias regras, esperamos encontrar uma poesia coerente, não contraditória e respeitosa de si mesma.
Para nossa sorte, um dos temas mais recorrentes da poesia do autor foi o da meta-poesia, ou seja, da poesia que fala de si mesma. São muitos os poemas que o autor escreveu, e em diferentes épocas, que podem nos ajudar a dirimir a questão da sua ‘arte de composição’. Assim sendo, procuremos esclarecer este problema analisando alguns deles.
Em 1940/41 publicou o seu primeiro livro de poesia titulado “Pedra de sono” no qual o autor colocou, como epígrafe, um verso do soneto “Salut” de Stéphane Mallarmé – poeta da segunda metade do século XIX, que se destacou por uma literatura que se mostra lúcida e que, ao mesmo tempo se caracteriza pela musicalidade, a experimentação gramatical e um pensamento refinado e repleto de alusões que pode resultar em um texto às vezes obscuro – que diz: “Solitude, récif, étoile” (solidão, recife, estrela). Por este motivo, vemos que, por um lado, o autor, em solidão, procurará a lucidez na hora da criação e, por outro, encontramos a palavra recife, pedra, igual que no nome do livro, que nos faz pensar em na dureza, no rigor, na resistência que constataremos na sua linguagem.
No segundo livro, de 1946/47, chamado “Psicologia da Composição”, o autor põe como epígrafe duas palavras que aparecem num poema do Poeta espanhol Jorge Guillén (Valladolid, 1893 – Málaga, 1984): “Riguroso Horizonte”. O mencionado poeta comungava com outros no seu ideal de “poesia pura”; para ele “poesia pura era aquilo que permanece num poema depois de ter eliminado todo aquilo que não é poético” . Com Poesia pura se designa uma estética literária dentro da poética que, como reação ao romantismo decadente, converteu em tópicos as essências genuínas do Romantismo. O termo começou a usar-se ao redor de 1880 na França e preconizava, em sua teoria, uma preponderância musical na linguagem poética. A origem da arte pura e de sua extensão às letras se encontra em Charles Baudelaire e em seu inspirador, Edgar Allan Poe (The poetic principle, 1850). As primeiras teorias sobre poesia pura nasceram, em Inglaterra, pela mão de Andrew Cecil Bradley (Poetry
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