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CONCEITO E OBJETO EM TOMÁS DE AQUINO


Enviado por   •  27 de Abril de 2014  •  Tesis  •  10.033 Palabras (41 Páginas)  •  186 Visitas

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CONCEITO E OBJETO EM TOMÁS DE AQUINO

Raul Landim Filho PPGLM/UFRJ/CNPq

A noção de representação tornou-se um dos conceitos-chave das análises filosóficas quando a tarefa prioritária da filosofia passou a ser a de elaborar uma teoria sobre os limites do conhecimento humano. A partir dela e através dela as questões da possibilidade e dos limites do conhecimento objetivo ganharam uma nova relevância. Embora seja uma noção tematicamente presente nas filosofias modernas, a noção de representação desempenhou também uma função importante nas filosofias pré-cartesianas. “Representar uma coisa, escreve Tomás de Aquino, é conter a similitude dessa coisa.” Seria a no- ção de representação essencial à explicação do conhecimento na perspectiva de Tomás? A escola tomista formulou ao longo da história diferentes respostas a essa pergunta. Ainda hoje, interpretações contemporâneas do tomismo prolongam e aprofundam esse debate. Tal é o caso, por exemplo, dos defensores do Realismo Direto em Tomás de Aquino, tais como P. Geach, N. Kretzmann, D. Perler e outros. Estes intérpretes procuraram mostrar, direta ou in- diretamente, que a noção de representação não é um dos conceitos básicos da teoria tomista do conhecimento, apesar do uso do termo “representar” e do emprego sistemático e repetitivo do termo “similitude” em toda a obra de Tomás.

 Questiones Disputatae De Veritate (doravante De Veritate), q. 7, a. 5, ad 2: “Ad secundum dicendum, quod repraesentare aliquid est similitudinem eius continere.”

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Segundo o Realismo Direto, a relação do conceito com o objeto (a coisa pensada) seria uma relação de identidade formal (identidade de forma).2 A tese da identidade formal significa que há uma identidade entre a forma da coisa e a forma intencional: é a mesma forma que existe efetivamente na realidade e intencionalmente na mente. Note-se que a suposição de que uma mesma forma tem instâncias diferentes, extra-mentais (reais) e mentais, legitima a tese da identidade entre o termo da ação intelectual do sujeito cognoscente e o objeto conhecido, o que tornaria ainda mais plausível a tese de Tomás de que o intelecto em ato é o inteligível em ato. Seria conseqüência dessa tese que não há intermediário mental entre o sujeito cognoscente e a coisa conhecida. “O que é instanciado na minha mesa e no meu intelecto é a mesma coisa, mas os dois modos de instanciação são radicalmente distintos”, explica Kretzmann. Portanto, o conceito não seria uma representação ou similitude da coisa, mas a expressão intencional na mente da forma da própria coisa. Não pretendo analisar as teses do Realismo Direto, mas expor a plausibilidade de outra interpretação: a interpretação representacionalista da teoria gnosiológica de Tomás de Aquino.5 Ao analisar as relações entre conceito e objeto, mostrarei que o conceito exprime intencional- mente o objeto nele contido e, ao mesmo tempo, significa por similitude a própria coisa a ser conhecida. De fato, na interpretação da teoria do conhecimento tomásico duas teses devem ser harmonizadas: por um lado, contra a interpretação representacionalista cartesiana, deve ser

2 Além de ser um princípio ontológico, “forma” é também principio de inteligibilidade e daí de cog- noscibilidade. Ver De Veritate, q. 2, a. , ad 8: “Ad octavum dicendum, quod illud quod est principium essendi, etiam est principium cognoscendi ex parte rei cognitae, quia per sua principia res cognoscibilis est; sed illud quo cognoscitur ex parte cognoscentis, est rei similitudo, vel principiorum eius; quae non est principium essendi ipsi rei, nisi forte in practica cognitione.” Ver também Super Boetium De Trinitate (doravante De Trinitate), q. 5, a. .  “Intellectus in actu et intelligibile in actu sunt unum sicut sensu in actu et sensible in actu.” (Sum- ma contra Gentiles (doravante ScG), II, 59).  Kretzmann 998, p. 6. Sobre o realismo direto em Tomás de Aquino, ver Kretzmann 99, espe- cialmente pp. 8-0; Kenny 2002; Perler 2000. 5 Atualmente, o mais destacado defensor da teoria representacionalista em Tomás de Aquino é C. Panaccio. Ver Panaccio 2002. Michon, na parte final do seu artigo (Michon 2007), distingue cinco sentidos de representacionalismo e caracteriza o Realismo Indireto como um representacionalismo inferencial.

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justificada a tese de que os objetos diretos do conhecimento são prioritariamente as coisas e não os conceitos (ou a species inteligível); por outro lado, deve ser demonstrado que só mediante os conceitos as coisas podem ser inteligidas ou pensadas. Daí surge a questão que será o fio condutor do artigo: qual é a relação entre o conceito e a coisa que, enquanto pensada, é objeto da representação conceitual? Note-se que a divergência entre as diversas interpretações contemporâneas da teo- ria do conhecimento tomista não concerne à existência de entidades intencionais que ex- pressam a forma de objetos na mente. É essencial para a teoria tomásica do conhecimento a noção de species intencional, pois para Tomás o conhecimento se realiza pela assimilação imanente da coisa: “Toda cognição se realiza através da assimilação da coisa conhecida pelo cognoscente [...]”.6 Ora, essa assimilação não pode ser uma assimilação física da coisa, mas tem que ser uma assimilação intencional: “Pois, o que é inteligido não está no intelecto por si (secundum se), mas segundo sua similitude: a pedra não está na alma, mas a species da pedra, como foi dito no De Anima III.”7 Assim, como conhecer8 envolve assimilação, no ato cognitivo a coisa extra-mental está presente no sujeito mediante a species, sensível ou intelectual. Sob esse aspecto, a species é um ente intencional, isto é, um sinal no sujeito cognoscente da presença de algo. A expressão ‘species’, que é a tradução latina da palavra ‘eidos’, significa na teoria tomista do conhecimento ou bem a forma, e neste caso ela não envolve a noção de matéria – individual ou comum –, ou bem a forma sensível ou inteligível (verbo interior (mental), conceito) e neste

6 De Veritate, q. , a. . 7 Summa theologiae (doravante ST), I, q. 76, a. 2, ad : “Id enim quod intelligitur non est in intellectu secundum se, sed secundum suam similitudinem, lapis enim non est in anima, sed species lapidis, ut dicitur in III de anima.” Grifo meu. 8 Segundo Tomás de Aquino, conhecer é julgar; só mediante o ato de julgar, de compor e de dividir (que pertence à segunda

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