Romanticismo Brasileño
vina_apsara13 de Diciembre de 2013
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DIALÉTICA DA MALANDRAGEM – ANTONIO CANDIDO
Em 1894 José Veríssimo definiu as Memórias de um sargento de milícias como romance de costumes que, pelo fato de descrever lugares e cenas do Rio de Janeiro no tempo de D. João VI, se caracterizaria por uma espécie de realismo antecipado; em conseqüência, falava bem dele, como homem de um momento dominado pela estética do Naturalismo.
Praticamente nada se disse de novo até 1941, quando Mário de Andrade reorientou a crítica, negando que fosse um precursor. Seria antes um continuador atrasado, um romance de tipo marginal, afastado da corrente média das literaturas, como os de Apuleio e Petrônio, na Antigüidade, ou o Lazarillo de Tormes, no Renascimento -, todos com personagens anti-heróicos que são modalidades de pícaros.
Uma terceira etapa foi aberta em 1956 por Darcy Damasceno, que abordou a análise estilística, tendo como pano de fundo uma excelente rejeição de posições anteriores:
Não há que considerar-se picaresco um livro pelo fato de nele haver um pícaro mais adjetival que substantival, mormente se a este livro faltam as marcas peculiares do gênero picaresco; nem histórico seria ele, ainda que certa dose de veracidade haja servido à criação de tipos ou à evocação de época; menos ainda realista, quando a leitura mais atenta nos torna flagrante o predomínio do imaginoso e do improvisado sobre a retratação ou a reconstituição histórica.
E depois de mostrar com pertinência como são reduzidas as indicações documentárias, prefere o designativo de romance de costumes. (1)
Concordo com estas opiniões oportunas e penetrantes (infelizmente muito breves), que podem servir de ponto de partida para o presente ensaio. A única dúvida seria referente ao realismo, e talvez nem esta, se Darcy Damasceno estiver se referindo especificamente ao conceito usual das classificações literárias, que assim designam o que ocorreu na segunda metade do século XIX, enquanto o meu intuito é caracterizar uma modalidade bastante peculiar, que se manifesta no livro de Manual Antônio de Almeida.
1. Romance picaresco?
O ponto de vista segundo o qual ele é um romance picaresco, muito difundido a partir de Mário de Andrade (que todavia não diz bem isto), recebeu um cunho de aparente rigor da parte de Josué Montello, que pensa ter encontrado as suas matrizes em obras como La vida de Lazarillo de Tormes (1554) e Vida y hechos de Estebanillo González (1645). (2)
Se fosse exato, estaria resolvido o problema da filiação e, com ele, grande parte do de caracterização crítica. Mas na verdade Josué Montello fundou-se numa petição de princípio, tomando como provado o que restava provar, isto é, que as Memórias são um romance picaresco. A partir daí, supervalorizou algumas analogias fugazes e achou o que tencionava achar, mas não o que um cotejo objetivo teria mostrado. De fato, a análise da picaresca espanhola faz ver que aqueles dois livros nada motivaram de significativo no de Manuel Antônio de Almeida, embora seja possível que este haja recebido sugestões marginais de algum outro romance espanhol ou feito à maneira dos espanhóis, como ocorreu por toda a Europa no século XVII e parte do XVIII. O que se pode fazer de mais garantido é comparar as características do "nosso memorando" (como diz o romancista do seu personagem) com as do típico herói ou anti-herói picaresco, minunciosamente levantadas por Chandler na sua obra sobre o assunto (3).
Em geral, o próprio pícaro narra as suas aventuras, o que fecha a visão da realidade em torno do seu ângulo restrito; e esta voz na primeira pessoa é um dos encantos para o leitor, transmitindo uma falsa candura que o autor cria habilmente e já é recurso psicológico de caracterização. Ora, o livro de Manuel Antônio é contado na terceira pessoa por um narrador (ângulo primário) que não se identifica e varia com desenvoltura o ângulo secundário -, trazendo-o de Leonardo Pai a Leonardo Filho, deste ao Compadre ou à Comadre, depois à Cigana e assim por diante, de maneira a estabelecer uma visão dinâmica da matéria narrada. Sob este aspecto o herói é um personagem como os outros, apesar de preferencial; e não o instituidor ou a ocasião para instituir o mundo fictício, como o Lazarillo, Estebanillo, Guzman de Alfarache, a Pícara Justina ou Gil Braz de Santilhana.
Em compensação, Leonardo Filho tem com os narradores picarescos algumas afinidades: como eles, é de origem humilde e, como alguns deles, irregular, "filho de uma pisadela e um beliscão". Ainda como eles é largado no mundo, mas não abandonado, como foram o Lazarillo ou o Buscón, de Quevedo; pelo contrário, mal os pais o deixam o destino lhe dá um pai muito melhor na pessoa do Compadre, o bom barbeiro que toma conta dele para o resto da vida e o abriga da adversidade material. Tanto assim que lhe falta um traço básico do pícaro: o choque áspero com a realidade, que leva à mentira, à dissimulação, ao roubo, e constitui a maior desculpa das "picardias". Na origem o pícaro é ingênuo; a brutalidade da vida é que aos poucos o vai tornando esperto e sem escrúpulos, quase como defesa; mas Leonardo, bem abrigado pelo Padrinho, nasce malandro feito, como se se tratasse de uma qualidade essencial, não um atributo adquirido por força das circunstâncias.
Mais ainda: a humildade da origem e o desamparo da sorte se traduzem necessariamente, para o protagonista dos romances espanhóis e os que os seguiram de perto, na condição servil. Em algum momento da sua carreira ele é criado, de tal modo que já se supôs erradamente que a sua designação proviesse daí -, o termo "pícaro" significando um tipo inferior de servo, sobretudo ajudante de cozinha, sujo e esfarrapado. E é do fato de ser criado que decorre um princípio importante na estruturação do romance, pois passando de amo a amo o pícaro vai-se movendo, mudando de ambiente, variando a experiência e vendo a sociedade no conjunto. Mas o nosso Leonardo fica tão longe da condição servil, que o Padrinho se ofende quando a Madrinha sugere que lhe mande ensinar um ofício manual; o excelente homem quer vê-lo padre ou formado em direito, e neste sentido procura encaminhá-lo, livrando-o de qualquer necessidade de ganhar a vida. Por isso, nunca aparece seriamente o problema da subsistência, mesmo quando Leonardo passa de raspão e quase como jogo pelo serviço das cozinhas reais, o que o aproximaria vagamente da condição de pícaro no sentido acima referido.
Semelhante a vários pícaros, ele é amável e risonho, espontâneo nos atos e estreitamente aderente aos fatos, que o vão rolando pela vida. Isto o submete, como a eles, a uma espécie de causalidade externa, de motivação que vem das circunstâncias e torna o personagem um títere, esvaziado de lastro psicológico e caracterizado apenas pelos solavancos do enredo. O sentimento de um destino que motiva a conduta é vivo nas Memórias, onde a Comadre se refere à sina que acompanha o afilhado, acumulando contratempos e desmanchando a cada instante as combinações favoráveis.
Como os pícaros, ele vive um pouco ao sabor da sorte, sem plano nem reflexão; mas ao contrário deles nada aprende com a experiência. De fato, um elemento importante da picaresca é essa espécie de aprendizagem que amadurece e faz o protagonista recapitular a vida à luz de uma filosofia desencantada. Mais coerente com a vocação de fantoche, Leonardo nada conclui, nada aprende; e o fato de ser o livro narrado na terceira pessoa facilita esta inconsciência, pois cabe ao narrador fazer as poucas reflexões morais, no geral levemente cínicas e em todo o caso otimistas, ao contrário do que ocorre com o sarcasmo ácido e o relativo pessimismo dos romances picarescos. O malandro espanhol termina sempre, ou numa resignada mediocridade, aceita como abrigo depois de tanta agitação, ou mais miserável do que nunca, no universo do desengano e da desilusão, que marca fortemente a literatura espanhola do Século de Ouro.
Curtido pela vida, acuado e batido, ele não tem sentimentos, mas apenas reflexos de ataque e defesa. Traindo os amigos, enganando os patrões, não tem linha de conduta, não ama e, se vier a casar, casará por interesse, disposto inclusive às acomodações mais foscas, como o pobre Lazarillo. O nosso Leonardo, embora desprovido de paixão, tem sentimentos mais sinceros neste terreno, e em parte o livro é a história do seu amor cheio de obstáculos pela sonsa Luisinha, com quem termina casado, depois de promovido, reformado e dono de cinco heranças que lhe vieram cair nas mãos sem que movesse uma palha. Não sendo nenhum modelo de virtude, é leal e chega a comprometer-se seriamente para não lesar o malandro Teotônio. Um antipícaro, portanto, nestas e outras circunstâncias, como a de não procurar e não agradar os "superiores", que constituem a meta suprema do malandro espanhol.
Se o protagonista for assim, é de esperar que o livro, tomado no conjunto, apresente a mesma oscilação de algumas analogias e muitas diferenças em relação aos romances picarescos.
Estes são dominados pelo senso do espaço físico e social, pois o pícaro anda por diversos lugares e entra em contacto com vários grupos e camadas, não sendo raros os destinos internacionais, como o do "galego-romano" Estebanillo. O fato de ser um aventureiro desclassificado se traduz pela mudança de condição, cujo tipo elementar, estabelecido no primeiro em data, o Lazarillo de Tormes, é a mudança de patrões. Criado de mendigo, criado de escudeiro pobre, criado de padre, o pequeno vagabundo percorre a sociedade, cujos tipos vão
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