Sexo E Temperamento - Introdução
AcsaRamone16 de Febrero de 2013
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INTRODUÇÃO
Quando estudamos as sociedades mais simples, não podem deixar de nos impressionar as muitas maneiras como o homem tomou umas poucas sugestões e as trançou em belas e imaginosas texturas sociais que denominamos civilizações. Seu ambiente natural muniu-o de alguns contrastes e periodicidades notáveis: o dia e a noite, a mudança das estações, o incansável crescer e minguar da lua, a desova dos peixes e as épocas de migração dos animais e pássaros. Sua própria natureza física forneceu-lhe outros pontos importantes: idade e sexo, ritmo de nascimento, maturação e velhice, a estrutura do parentesco consanguíneo. Diferenças entre um e outro animal, entre um e outro indivíduo, diferenças em ferocidade ou em mansidão, em coragem ou em esperteza, em riqueza de imaginação ou em perseverante obtusidade — todas proporcionaram sugestões a partir das quais foi possível desenvolver as ideias de categoria e casta, de sacerdócios especiais, do artista e do oráculo. Trabalhando com novelos tão universais e tão simples como esses, o homem construiu para si mesmo uma trama de cultura em cujo interior cada vida humana foi dignificada pela forma e pelo significado. O homem não se tornou simplesmente um dos animais que se acasalavam, lutavam por seu alimento e morriam, mas um ser humano, com um nome, uma posição e um deus. Cada povo constrói essa tessitura de maneira diferente, escolhe alguns novelos e ignora outros, acentua um setor diferente da gama total das potencialidades humanas. Onde uma cultura emprega, por trama principal, o ego vulnerável, pronto a sentir-se insultado ou a sucumbir de vergonha, outra escolhe a coragem inflexível e mesmo, de forma que não haja covardes reconhecidos, pode, como os Cheyenne, inventar uma posição social especialmente complicada para os supermedrosos. Cada cultura simples e homogênea pode dar largas somente a alguns dos diversos dotes humanos, desaprovando ou punindo outros demasiado antitéticos ou por demais desvinculados de seus acentos principais para que encontrem lugar entre suas paredes. Tendo originalmente tirado os seus valores dos valores caros a alguns temperamentos humanos e estranhos a outros, na cultura incorpora esses valores cada vez mais firmemente à sua estrutura, a seus sistemas político e religioso, à sua arte e sua literatura; cada geração nova é amoldada, firme e definitivamente, às tendências dominantes.
Nessas circunstâncias, assim como cada cultura cria de modo distinto a tessitura social em que o espírito humano pode enredar-se com segurança e compreensão, classificando, recompondo e rejeitando fios na tradição histórica que ele compartilha com vários povos vizinhos, pode inclinar cada indivíduo nascido dentro dela a um tipo de comportamento, que não reconhece idade, nem sexo, nem tendências especiais como motivos para elaboração diferencial. Ou então uma cultura apodera-se dos fatos realmente óbvios de diferença de idade, sexo, força, beleza, ou das variações inusuais, tais como o pendor nato a visões ou sonhos, e converte-os em temas culturais dominantes. Destarte, sociedades semelhantes às dos Masai e dos Zulus fazem do nivelamento de todos os indivíduos pela idade um ponto básico de organização, e os Akikiyu da África Oriental consideram um drama maior a destituição cerimonial da geração mais velha pela mais jovem. Os aborígines da Sibéria elevaram o indivíduo de instabilidade nervosa à dignidade de xamã, cujos pronunciamentos acreditavam ser de inspiração sobrenatural e constituíam lei para os outros membros mais equilibrados da tribo. Parece-nos bastante claro um caso extremo como esse, onde todo um povo se curva ante a palavra de um indivíduo que nós classificaríamos de insano. Os siberianos, fantasiosamente e — ao modo de ver da nossa sociedade — de forma injustificada, elevaram uma pessoa anormal a um lugar socialmente importante. Basearam-se num desvio humano que nós desaprovaríamos, ou, caso se tornasse importuno, encerraríamos numa prisão.
Quando ouvimos dizer que, entre os Mundugumor da Nova Guiné, as crianças que nascem com o cordão umbilical em volta do pescoço são distinguidas como artistas de direito inato e indiscutível, sentimo-nos estar diante de uma cultura que não somente institucionalizou um tipo de temperamento que reputamos anormal — igual ao caso do xamã siberiano — como também uma cultura que associou arbitrariamente, de forma artificial e fantasiosa, dois pontos completamente desvinculados entre si: modo de nascimento e habilidade de pintar desenhos complicados sobre córtex. Quando ficamos sabendo, a seguir, que a insistência nessa associação é tão firme que apenas os assim nascidos podem fazer boas pinturas, enquanto os homens que nasceram sem um cordão estrangulante trabalham com humildade e sem arrogância e não alcançam nunca qualquer virtuosismo, verificamos a força de que podem revestir-se tais associações irrelevantes, uma vez enraizadas firmemente na cultura.
Mesmo quando deparamos casos menos patentes de elaboração cultural, quando lemos que, em determinado povo, o primogênito do sexo masculino é considerado de espécie diferente dos seus irmãos mais jovens, compreendemos que também nesse caso a imaginação humana trabalhou, reavaliando um simples fato biológico. Embora nossa própria tradição histórica nos sugira que o primogênito é "naturalmente" um pouco mais importante do que os outros, ainda assim, quando sabemos que, entre os Maori, o filho primogênito de um chefe era tão sagrado que somente pessoas especiais podiam cortar-lhe os cachos infantis sem arriscar-se à morte por esse contato, reconhecemos que o homem tomou a circunstância da ordem de nascimento e sobre ela construiu uma superestrutura de hierarquia. Nosso distanciamento crítico, nossa capacidade de sorrir a esses arroubos de imaginação — que vêem no primeiro ou no último filho, no sétimo filho do sétimo filho, no gêmeo ou na criança nascida com uma coifa, um ser especialmente dotado de poderes preciosos ou malévolos — permanece inalterado. Todavia, quando dessas construções primitivas e "evidentes por si mesmas" passamos para pontos de elaboração que partilhamos com povos primitivos, para pontos em que não mais somos espectadores, porém partícipes diretos, nosso distanciamento desaparece. É sem dúvida pura imaginação atribuir a aptidão de pintar ao nascimento com o cordão em volta do pescoço, ou capacidade de escrever poesias ao fato de ter nascido gêmeo. Escolher líderes ou oráculos dentre temperamentos raros ou extravagantes, que nós rotularíamos de alienados, não é totalmente imaginário; mas, pelo menos, fundamenta-se numa premissa muito diferente, a qual seleciona uma potencialidade natural da raça humana que não usamos nem valorizamos. No entanto, a insistência nas mil e uma diferenças inatas entre homens e mulheres, muitas das quais não mostram relação mais imediata com os fatores biológicos do sexo do que Têm" a habilidade de pintar com a forma do nascimento, e outras diferenças que apresentam uma congruência com o sexo que não é nem universal nem necessária — como no caso da associação entre ataque epilético e pendor religioso — essas, sim, não consideramos fruto da imaginação da mente humana, ocupada em dar significado a uma existência vazia.
Este estudo não se ocupa da existência ou não de diferenças reais e universais entre os sexos, sejam qualitativas ou quantitativas. Não trata de saber se a mulher é mais instável do que o homem, como se pretendeu antes que a doutrina da evolução exaltasse a variabilidade, ou menos instável, como se afirmou depois. Não é um tratado sobre os direitos da mulher, nem uma pesquisa das bases do feminismo. É, muito simplesmente, um relato de como três sociedades primitivas agruparam suas atitudes sociais em relação ao temperamento em torno dos fatos realmente evidentes das diferenças sexuais. Estudei esse problema em sociedades simples, porque nelas temos o drama da civilização redigido de forma sucinta, um microcosmo social semelhante em espécie, porém diferente, em tamanho e grandeza, das complexas estruturas sociais de povos que, como o nosso, dependem de uma tradição escrita e da integração de grande número de tradições históricas conflituais. Estudei essa questão nos plácidos montanheses Arapesh, nos ferozes canibais Mundugumor e nos elegantes caçadores de cabeças de Tchambuli. Cada uma dessas tribos dispunha, como toda sociedade humana, do ponto de diferença de sexo para empregar como tema na trama da vida social, que cada um desses três povos desenvolveu de forma diferente. Comparando o modo como dramatizaram a diferença de sexo, é possível perceber melhor que elementos são construções sociais, originalmente irrelevantes aos fatos biológicos do gênero de sexo.
Nossa própria sociedade usa muito essa trama. Atribui papéis diferentes aos dois sexos, cerca-os desde o nascimento com uma expectativa de comportamento diferente, representa o drama completo do namoro, casamento e paternidade conforme os tipos de comportamento aceitos como inatos e, portanto, apropriados a um ou a outro sexo. Sabemos vagamente que esses papéis mudaram mesmo dentro de nossa história. Estudos, como The Lady1, de Mrs. Putnam, retratam a mulher como uma figura de barro infinitamente maleável, sobre a qual a humanidade dispôs trajes característicos de uma época, constantemente variáveis, de acordo com os quais murchava ou se tornava dominante, flertava ou fugia. Entretanto, todas as discussões acentuaram, não as personalidades sociais relativas atribuídas aos dois sexos, mas, antes, os padrões de comportamento superficiais consignados às mulheres, porém apenas para as da classe alta. O reconhecimento afetado
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