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AGAMBEN: VIDA NUA, ESTADO DE EXCEÇÃO E RELIGIÃO CAPITALISMO

elizeusousaEnsayo15 de Febrero de 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

TURMA 12

DISCIPLINA: TEORIA POLÍTICA II

PROF. DR. HERMANO MACHADO FERREIRA LIMA

AGAMBEN: VIDA NUA, ESTADO DE EXCEÇÃO E RELIGIÃO CAPITALISMO[pic 2]

ANTONIO ELIZEU DE SOUSA

FORTALEZA/CE

2015

AGAMBEN: VIDA NUA, ESTADO DE EXCEÇÃO E RELIGIÃO CAPITALISMO

Antonio Elizeu de Sousa[1]

Introdução

O pesquisador italiano Giogio Agamben garimpa por entre autores e textos históricos, junta reminiscências e fragmentos para elaborar uma reflexão teórica sobre a política na modernidade, incluindo uma ampla discussão sobre o sagrado, o profano, o poder, o governo e a vida do homem comum a mercê do Estado.

O núcleo reflexivo de Agamben é o biopoder e a co-construção da verdade científica em diálogo com dezenas de autores. Como afirmou em recente entrevista: “Só andando na contracorrente, buscando aquela diversa experiência de palavra, pode-se voltar à relação originária com a verdade, irredutível a qualquer institucionalização da mesma.” (ABAMBEN, 2015, p.2/3).

A questão fundamental para Agamben parece ser a relação do humano com o poder soberano na construção de uma relação política com a vida, desdobrando-se daí relações entre governantes e governados. Paira em sua obra uma profunda reconstituição da dicotomia entre a simultaneidade da sacralização e assassínio do humano, sem imputação criminológica, como mito de origem da vida política moderna.

O autor leva seu leitor a um mergulho no direito romano arcaico pra iniciar sua epopeia discursiva sobre o homo sacer. Aquele a quem ele vai remeter o conceito de “vida nua”, a vida meramente biológica, desprovida dos direitos humanos. Um mecanismo reflexivo dual perpassa boa parte de sua obra, procurando resgatar o mito de origem do biopoder.

A intenção de Agamben é reunir a complexa rede de elementos constitutivos da formação da sociabilidade humana, destacando campos fundamentais, quais sejam a religião, a política, a estética, a ética, dentre outras. Trata, pois, de pensar o humano em sua totalidade, sem descuidar da fenomenologia contextual contemporânea e de sua herança arcaica e moderna. O autor não está em conformidade com reducionismo no olhar científico:

Dou um exemplo: a ciência olha para a passagem do primata para o homem falante unicamente em termos cognitivos, como se fosse apenas uma questão de inteligência e de volume cerebral. Mas não há só este aspecto. A transformação deve ter sido também tão gigantesca do ponto de vista ético, político, sensível. O homem não é só homo sapiens. É um animal que, à diferença dos outros seres vivos, que não parecem dar importância à própria linguagem, tomou a decisão de correr, até o fundo, o risco da palavra. E daí nasceu o conhecimento, mas também a promessa, a fé, o amor, que ultrapassam a dimensão puramente cognitiva. (AGAMBEN, 2011, p.2/3)

O método arqueológico

Agamben está ocupado em pensar a modernidade e reconstituir a trajetória contínua do humano, selecionando e trazendo ao seu diálogo autores como Aristóteles, Carl Schmitt, Émile Benveniste, Emile Durkheim, Friedrich Hegel, Gerson Scholem, Hanna Arendt, Martin Heidegger, Michel Foucault, Niestzsche, Primo Levi, Walter Benjamim, dentre outras dezenas de pensadores antigos e modernos. Agamben faz uma arqueologia densa que recorda o método de Foucault, mas segue senda própria como dizem alguns de seus comentadores. A série Homo Sacer que veio evidenciar seu pensamento, cuja base inaugural está no dualismo sagrado/profano, resgatado a partir da antiguidade romana.

Dos escritos antigos que relê e aprecia, Agamben lança seu olhar remissivo conectando-o com referências da modernidade, especialmente do séculos XX e XXI, revelando o estado de exceção permanente. O campo de concentração nazista, as contínuas intervenções militares entre países beligerantes e a ação dos governos (mesmo de países não beligerantes) que se posicionam acima, ou como fontes próprias da lei; são exemplos concretos da exceção que se estende por períodos intensos com consequências letais sobre o humano atacado por quem teria o dever de protegê-lo. Assim, o autor vai questionando a exceção que sempre se converte em regra: caso do estado de sítio inaugurado ainda na França revolucionária, perpassando os séculos e se consolidando como matriz política do poder soberano sobre o vulgo.

O autor está preocupado em desvendar a imanência do ser, o fim último do humano e uma visão escatológica do mundo. Pouco a pouco, Agamben vai tecendo sua trama constitutiva de um saber apanhado nos detalhes, na forma, amarrando sua teia com nós articulados por outros autores. Realiza seu escrutínio histórico sem perder de vista a reflexão de fundo a cerca do humano matável, desprovido de direitos, reduzido à condição de mera vida animal, embora sacralizado pela letra fria da lei, seja pela condição de viver em um estado de permanente exceção; seja ante a implacável religião capitalista que inclui excluindo.

Agamben recebe influência direta de Foucault na reflexão sobre “biopolítica”, que “toma o conceito de biopolítica de escritos de economia e estatística dos séculos XVIII e XIX e o insere no contexto da dinâmica política moderna e contemporânea”. No entanto, para além desta diretiva conceitual, Agamben traça seu método a exemplo de Foucault, “a partir de uma perspectiva arqueológica, genealógica e paradigmática, [articulando] as descontinuidades políticas, éticas, epistemológicas que condicionam ontologicamente a ocidentalidade na contemporaneidade”. (ASSMANN; BAZZANELLA, 2012, p. 2)

O humano é o ponto de partida de Agamben:

Vivemos em sociedades habitadas por um eu hipertrófico, gigantesco, no qual, porém, ninguém, tomado singularmente, pode reconhecer-se. Seria bom voltarmos ao último Foucault, quando ele refletia sobre o "cuidado de si", sobre a "prática de si". É muito raro encontrarmos hoje pessoas que experimentem aquela que Benjamin chamava a droga que tomamos na solidão: o encontro conosco mesmos, com as próprias esperanças, as próprias recordações e os próprios esquecimentos. Naqueles momentos assistimos a uma espécie de despedida do eu, acessamos a uma forma de experiência que é exatamente o contrário do solipsismo. Sim, penso que poderíamos partir exatamente daqui para repensarmos uma ideia diversa do crer: formas de vida, prática de si, intimidades. Estas são as palavras-chave de uma nova política. (Agamben, 2011, p.3/3)

Para Agamben (2011, p.3/3) “os modelos de crença que nos são propostos já não nos convencem. São, como dizia Chiaromenti, mantidos à força, na má-fé.” Daí percebemos sua base de questionamentos. Ele procura, através da reunião e conexão dos fragmentos, lançar outras verdades, revelando novas leituras da modernidade.

Em sua pesquisa há uma acuidade em esclarecer o que é do âmbito religioso e sua vinculação ao político. Ele expõe o vocábulo religio, questionando a etimologia que o relaciona com o religare – aquilo liga o humano ao seu criador -; para afirmar que de fato o termo deriva de relegere, relacionado a “atitude de escrúpulo e atenção que deve caracterizar as relações com os deuses”. Tratar-se-ia, portanto, de reler e “observar a fim de respeitar a separação entre o sagrado e o profano” (AGAMBEN, 2007, p. 66).  

Vida nua

Agamben resgata reminiscências do direito criminal romano arcaico para lançar sua reflexão de partida, tentando desvendar o amálgama que envolve a consagração e a banalização da vida. Inicia a sua saga analítica citando “Festo” e o “seu tratado sobre o significado das palavras” cujo autor romano lança a questão do homo sacer. Diz tratar-se da “mais antiga pena do direito criminal romano” (AGAMBEN 2002, p.79 apud Bennett, 1930, p.5) cuja pena “enquanto sanciona a sacralidade de uma pessoa, autoriza (ou, mais precisamente, torna impunível) sua morte (...)”, pois “aquele que qualquer um podia matar impunemente não devia, porém, ser levado à morte nas formas sancionadas pelo rito” (2002, p. 79).

Em seguida, Agamben questiona o sentido da expressão “sacer esto” por tratar da dispensa da pessoa ao sacrifício aos deuses, preservando sua vida; porém permitindo que seja morta por qualquer um. Entre as razões levantadas, Agamben (2002, p. 80) destaca que “aquilo que é sacer já está sob a posse dos deuses, e é originariamente e de modo particular propriedade dos deuses ínferos, portanto não há necessidade de torná-lo tal com uma nova ação”, i.e. a execução, citando Kerényi (1951, p. 76).

A questão estaria entre a oferta aos deuses ínferos (maldição) e o tabu, na figura arquetípica de veneração e horror? Este ensaio não dá conta da amplitude da discussão do autor, atenho-me a alguns aspectos, pois à medida que lança detalhes sobre a dicotomia citada, Agamben vai enlaçando-a com a possibilidade de “lançar luz sobre uma estrutura política originária, que tem seu lugar em uma zona que precede a distinção entre o sacro e o profano, entre religioso e jurídico”, evidenciado a questão: "O que é, então, a vida do homo sacer, se ela se situa no cruzamento de uma matabilidade e uma insacrificabilidade, fora tanto do direito humano quanto daquele divino?" (2002, p.81).

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