Compartilhando A Antropologia
Renatox10 de Diciembre de 2013
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COMPARTILHANDO A ANTROPOLOGIA
Possibilidades da antropologia audiovisual como pesquisa, aprendizado e difusão de conhecimento
Renato Maia (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Resumo:
Este artigo tem como proposta a inversão do percurso da antropologia enquanto disciplina como instrumento de colonização para a possibilidade de compartilhar conhecimento abolindo a divisão clássica entre pesquisador e pesquisado através da produção de vídeos etnográficos. O artigo direciona-se aos exemplos de novas possibilidades de construção e compartilhamento do conhecimento antropológico como o trabalho de campo com deficientes visuais elaborando videodocumentários. Todo o processo de elaboração dos vídeos foi realizado pelas pessoas com limitação visual. Tanto as divisões clássicas da antropologia entre pesquisadores e pesquisados, quanto às hierarquias cristalizadas na produção de documentários (diretor, produtor, personagens) foram rejeitadas e substituídas por relações descentralizadas e igualitárias. O papel do antropólogo consistiu na realização de uma oficina de elaboração de roteiros, orientação do uso dos equipamentos e sugestão de temas que envolvessem o cotidiano dos participantes. É nesse sentido que a radicalização da proposta inicial de Jean Rouch de uma antropologia compartilhada assume a característica de compartilhamento de elementos da antropologia como forma de aprendizagem e difusão de conhecimento. O objetivo é discutir tanto questões relativas ao método, a ética e a epistemologia como também enfatizar o feedback que o trabalho etnográfico pode propiciar.
Palavras-chave: antropologia audiovisual, cegueira, metodologia.
Introdução
Este artigo tem o propósito de refletir sobre a prática do cientista social e, mais especificamente, as possibilidades de pesquisa, construção e reflexão teórica e prática da antropologia audiovisual. A questão é refletir sobre as dimensões éticas do trabalho de campo questionando como proceder diante dos informantes/pesquisados que, geralmente, esperam das pesquisas as quais colaboram algum retorno pessoal ou para o grupo do qual faz parte se imaginando como “herdeiros de vastas possibilidades” (GEERTZ, 2001, p. 38) e que, mais freqüente ainda, não terão um mínimo do retorno esperado. Assim, é preciso pensar sobre o papel desempenhado pelos pesquisadores, o percurso desconcertante das ciências sociais no processo de colonização, passando pelas teorias pós-colonialistas, chegando à contemporaneidade com a aproximação e relevância da antropologia para os povos pesquisados a partir do momento que a disciplina passa a ter como resultado de pesquisa não apenas o material escrito, mas também a produção visual; a percepção do “outro” através da imagem tecnicamente produzida e, mais importante, discutindo a forma como os próprios pesquisadores abordavam/abordam os seus pesquisados. A intenção é provocar o “espanto” da antropologia sobre ela mesma, pois como Roberto Cardoso de Oliveira (1988) já havia mencionado é importante olhar-nos no espelho e a antropologia tem essa capacidade podendo contribuir mais amplamente com respostas ou, no mínimo, exemplos de como não sentir, conforme as preocupações de Clifford Geertz, o constrangimento de se perceber como um príncipe entre os miseráveis.
A partir de experiências vivenciadas como o projeto Vídeo nas aldeias e os trabalhos de produção de vídeo por pessoas com limitações visuais desenvolvidos em Natal é possível afirmar que a antropologia visual tem a possibilidade de radicalização da antropologia compartilhada proposta por Jean Rouch onde a pesquisa seja também difusão e troca de conhecimento e nos possibilite refletir sobre o papel do antropólogo na atualidade, mas para chegar até a antropologia visual contemporânea e abordar os exemplos citados é importante tentarmos compreender o percurso da antropologia e a sua consolidação enquanto disciplina.
O percurso colonialista da antropologia
A antropologia nos livros didáticos e de história sobre a disciplina é conceituada como a ciência que estuda o homem e sua cultura. Contudo, não se evidencia claramente o surgimento, o percurso e as questões ideológicas que estão na gênese dessa disciplina: sua conotação evolucionista, seu logocentrismo, suas concepções e práticas centralizadas na forma como o homem-branco-europeu ver o mundo e o envolvimento de parte dos seus principais teóricos com os processos de colonização dos países ditos do “terceiro mundo”. É este percurso que nos interessa abordar para possibilitar a discussão das questões nas ciências sociais, para reflexão do trabalho antropológico na contemporaneidade e em particular na antropologia visual.
No início da colonização nos países da Ásia, Oceania e da África por países europeus, principalmente Inglaterra e França, os antropólogos estiveram inseridos, direta ou indiretamente, como parte desse processo. Os países colonizadores necessitavam de informações de como se organizavam as sociedades as quais estavam sendo colonizadas. Nesse período se pôs em prática o que alguns teóricos com concepções marxistas denominaram de “antropologia colonial” onde alguns antropólogos desenvolveram suas pesquisas geralmente financiadas por governos coloniais ou por agências ligadas a tais países. Nas pesquisas esses antropólogos
“agarravam-se a uma linguagem puramente descritiva, que coloca entre parênteses os móbiles e motivos do colonialismo, o qual chega a desaparecer como sistema” (LECLERC, 1973, p. 77).
Havia um encobrimento (consciente ou não) das atrocidades coloniais e a intervenção dos colonizadores nas culturas estudadas não era levada em questão: “no máximo a colonização aparecia como um ‘choque de culturas’ ou um ‘contato cultural’” (LECLERC, p. 77). O trabalho do antropólogo tinha a pretensão, como constatou Leclerc, de, “através do seu saber, está colocado numa posição eminentemente favorável para compreender os indígenas e julgar qual a atitude que em relação a eles deve tomar” (p. 88), ou seja, alguns antropólogos se tornam funcionários que auxiliam diretamente no processo colonizador. Poderia até afirmar que os trabalhos de pesquisa se transformam em estudos semelhantes ao de espiões e delatores em tempo de guerra. Não é de causar espanto o trabalho dos antropólogos americanos no Vietnã ou estranhar que a pesquisa de Ruth Benedict no Japão tenha sido encomendada e financiada pelo serviço secreto do exército dos Estados Unidos, entre tantos outros exemplos que aproxima a prática da antropologia, neste período, como uma “ciência” a serviço da dominação ocidental.
O antropólogo Adam Kuper afirma que mesmo depois da independência dos países colonizados a antropologia, principalmente a antropologia social britânica, continuou com um trabalho a serviço do império sob o rótulo de estudos do desenvolvimento, mas negando o envolvimento com o colonialismo. Para Kuper
“a recusa declarada da análise do contexto colonial passou a ser a marca distintiva dos contributos teóricos para a antropologia social, dado que qualquer reconhecimento das realidades coloniais conotaria um envolvimento direto, e não implícito, nos debates acerca da política colonial” (KUPER, 2004, p. 218).
A grande maioria dos historiadores da antropologia, inclusive o próprio Adam Kuper, tentam minimizar o envolvimento dos antropólogos no processo colonial:
“A realidade é que os antropólogos foram pouco usados pelas potências coloniais e, apesar de sua retórica, quando empenhados na angariação de fundos, tampouco se mostraram particularmente ansiosos por serem usados” (KUPER, 1978, p. 140).
Outros chegam a negar o envolvimento na colonização:
“Tem sido dito que especialmente antropólogos ingleses se submetiam passivamente à opressão de 'povos nativos' na África, Ásia e Oceania e até que cooperavam ativamente com administrações coloniais em contrapartida de fundos para pesquisa” (ERIKSEN & NIELSEN, 2007, p. 71).
Os autores, como conclusão, afirmam que “as acusações são infundadas (...), vários antropólogos sociais eminentes criticavam explicitamente o colonialismo” (idem, ibdem, p. 71). Essas afirmações podem ser contestadas a partir de uma visão atenta desses livros onde os antropólogos clássicos são postos no papel de heróis. Também a leitura crítica dos clássicos da disciplina é reveladora do comprometimento dos antropólogos com o colonialismo de forma direta ou indireta , mas são poucos os estudiosos que apontaram tal envolvimento. Alguns marxistas como Jean Copans, George Balandier e Gérard Leclerc se atreveram a denunciar tal fato. É nesse sentido que Leclerc afirma:
“A antropologia clássica tenta negar os seus laços especiais com o colonialismo, fingindo considera-lo como um simples caso particular do seu objeto. Porque quando reivindica no plano prático, no plano das responsabilidades, 'vínculos especiais' com a realidade colonial, agora entendida como política, abandona as suas pretensões à generalidade ilusória a que fingia entregar-se, para fazer reconhecer a si própria os limites práticos dos fenômenos coloniais” (LECLERC, 1973, p. 108).
Talvez a crítica dos marxistas seja injustamente generalizante. Durante o período de colonização havia antropólogos principalmente na antropologia francesa que faziam trabalhos com abordagens percebendo os pesquisados com outro olhar. Nomes como: Maurice Leenhardt, Roger Caillois,
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