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Multiculturalismo E Direitos Humanos

AndreVianaCruz4 de Abril de 2013

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MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS

Autor: André Viana da Cruz

Resumo: Através da compreensão do fenômeno cultural é possível situar e reconhecer a diversidade existente no mundo e, sob a premissa da pluralidade deve caminhar o entendimento dos direitos humanos. Cultura é o processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores, e os direitos humanos não podem adotar um critério universalista, consagrando a concepção de um ser abstrato, dentro de um determinado estágio de civilização, conforme concebido e erigido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Nem todos os povos e culturas estavam incluídos no estabelecimento do conteúdo dado aos direitos humanos, que poderiam servir à afirmação da hegemonia ocidental. A concepção universalista defende, em última análise, o projeto da modernidade porque não reconhece o relativismo cultural das coletividades envolvidas na tutela e garantia dos direitos em lume. Para o relativista é ilusória a convicção das teorias-padrão de filosofia moral da era moderna de que poderia fundamentar uma moral universalista, na medida que existe um contexto cultural que não é rompido por uma moral transcendental. No embate entre universalismo e relativismo está em jogo a autocompreensão da modernidade cultural, o igualitarismo em relação aos direitos humanos nela desenvolvido e o caráter modelar das formas liberais de organização do mercado, do Estado de direito, do Estado social e da democracia. Sob os cânones universalistas faz-se necessária, portanto, uma linguagem normativa comum, a qual possa servir de base para uma prática de justificação, aceitável para todos, que consiga ligar uma cadeia de legitimação igualmente vinculante para todos. A imposição de um padrão moral implica em continuação do colonialismo. Daí porque o universalismo não pode ser adotado em relação aos direitos humanos; o relativismo contempla a necessária proteção da identidade cultural. Reconhecido o multiculturalismo se evita a universalização e se garante a alteridade que é a própria razão de ser dos direitos humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Multiculturalismo; Relativismo; Universalismo.

1. Introdução

Para Dussel, as culturas “são modos particulares de vida, modos movidos pelo princípio universal da vida humana de cada sujeito em comunidade, a partir de dentro”.

A homogeneização da cultura desafia a diversidade de emanações do ser humano e a respectiva identificação.

Segundo Grahame Clark “A aceleração do ritmo de mudança, acompanhada de um aumento perceptível da diversidade cultural, manifestou-se pela primeira vez em conjunção com o “homo sapiens”, na parte final do Pleitoceno Superior” . O fato de o cérebro do Australopiteco Africano (mais antigo manufaturador) medir 1/3 do nosso leva Geertz a concluir que a maior parte do crescimento cortical humano foi posterior e não anterior ao início da cultura, o que torna o homem não apenas o produtor da cultura, mas, também, produto da cultura. “A cultura desenvolveu-se, pois, simultaneamente com o próprio equipamento biológico e é, por isso mesmo, compreendida como uma das características da espécie, ao lado do bipedismo e de um adequado volume cerebral” .

Cultura significa o modo como um grupo de pessoas pensa, crê e vive, os instrumentos que fabrica e a forma como faz as coisas ou, ainda, o conjunto de entendimentos, crenças e conhecimentos pertencentes a determinado grupo.

Para Levi-Strauss o que faz a originalidade de cada cultura “está na maneira particular de resolver problemas, de perspectivar valores” e não nas contribuições parcelares de cada civilização.

O termo germânico Kultur simbolizava todos os aspectos espirituais de uma comunidade; o termo francês civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. “Os dois termos foram sintetizados por Edward Tylor em culture (termo inglês), que em sentido etnográfico é: todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.

A definição acima se opõe à idéia de aquisição inata (biologismo) e acentua o caráter de aprendizado da cultura, consolidando o pensamento de John Locke, para quem a mente humana é uma caixa vazia quando do nascimento com capacidade ilimitada para obter conhecimentos.

O homem se diferencia dos demais animais por possuir duas propriedades: comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos, capazes de tornar mais eficiente seu aparato biológico.

É de se advertir que o aspecto evolucionista unilinear da teoria de Tylor foi vencido pelo relativismo cultural, ligada à idéia de evolução multilinear.

“Franz Boas desenvolveu o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou”.

Outra contribuição para a compreensão de como a cultura atua sobre o homem é advinda do antropólogo americano Alfred Kroeber, “que demonstrou que graças à cultura a humanidade se distanciou do mundo animal”. O homem é dotado de um diferencial extraorgânico de adaptação, que o poupou de submeter-se a mutações biológicas, pois, ao contrário das outras espécies o homem conserva todos os órgãos e capacidades de seus antepassados, acrescentando-se a nova faculdade adquirida: a cultura (“que não se torna parte de sua constituição congênita”).

Em última análise, cultura é o processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores, e o reconhecimento da diversidade cultural é pressuposto para a aplicação dos direitos humanos.

Nas linhas seguintes buscar-se-á demonstrar que o multiculturalismo implica no relativismo dos direitos humanos, cuja universalização atende o projeto da modernidade e resulta no ocultamento do outro.

2. Direitos humanos: em busca da universalização

A Declaração dos Direitos do Homem, no fim do século XVIII significava que desde então o homem seria a fonte de lei. Destinava-se também a ser uma proteção muito necessária numa era em que os indivíduos já não estavam a salvo nos Estados em que haviam nascido. Tais direitos independiam da ordem política e seriam garantidos pelo sistema de valores sociais, espirituais e religiosos. Não se invocava nenhuma autoridade para estabelecê-los; “o próprio homem seria a sua origem e seu objetivo último”.

A declaração dos direitos humanos se referia a um ser humano abstrato (universalizado), dentro de um estágio de civilização. “Como a humanidade, desde a Revolução Francesa, era concebida à margem de uma família de nações, tornou-se gradualmente evidente que o povo, e não o indivíduo representava a imagem do homem” . Supunha-se que os direitos humanos independiam dos direitos nacionais.

Os Direitos do Homem foram conceituados como “inalienáveis”, pois se pensava que eram independentes de todos governos. Contudo, no momento que os seres humanos deixavam de ter um governo próprio, nenhuma instituição ou autoridade lhes protegia.

O conceito de Direitos humanos foi tratado de modo marginal pelo pensamento político do século XIX, e nenhum partido liberal do século XX houve por bem incluí-los em seu programa, eis que os direitos civis supostamente personificavam e enunciavam sob forma de leis os eternos Direitos do Homem. “Todos os seres humanos eram cidadãos de algum tipo de comunidade política: se as leis do seu país não ao atendiam às exigências dos Direitos do Homem, esperava-se que nos países democráticos eles as mudassem através da legislação, e nos despóticos, por meio de ação revolucionária”.

Os Direitos do Homem mostraram-se inexeqüíveis sempre que surgiam pessoas que não eram cidadãos de algum estado soberano. Perda dos lares e perda da proteção do governo foram as duas grandes supressões verificadas contra as pessoas privadas de direitos. Sem um lugar peculiar no mundo e sem poderem ser assimilados em nenhum território. Os países civilizados ofereciam asilo sem que isso fosse positivado, ademais, as novas categorias de refugiados eram demasiado numerosas para serem atendidas e os novos refugiados eram não se enquadravam nos critérios de perseguição política (dificultando sobremaneira a concessão de asilo).

“A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade”... “mas do fato de não pertencerem a qualquer comunidade” . Verificou-se completa privação de direitos antes que o direito a vida fosse ameaçado. Nem a segurança física, nem a liberdade de opinião alteram a sua situação de privação de direitos, pois o prolongamento de suas vidas é devido à caridade e nada do que pensam tem qualquer importância.

Os direitos humanos deveriam permanecer válidos mesmo que um ser humano seja expulso da comunidade humana. Sob tal apreensão, foi concebida e erigida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, buscando-se um alcance universal e universalista.

Ocorre que nem todos os povos e culturas estavam incluídos no estabelecimento do conteúdo dado aos direitos humanos, que poderiam servir à afirmação da hegemonia ocidental. A maioria que países africanos e asiáticos não participaram na formulação da Declaração Universal de direitos humanos porque, como vítimas de colonização,

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