A Construção Paródica - Bíblica Na Obra: "A Paixão Segundo GH" De Clarice Lispector
Vanastacio3 de Junio de 2014
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Vanessa Aparecida Ricardo Anastacio
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
LETRAS – LICENCIATURA EM PORTUGUÊS
A Construção Paródica – Bíblica na obra: “A Paixão Segundo GH” de Clarice Lispector
Piracicaba – SP
Maio 2011
Vanessa Aparecida Ricardo Anastacio
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
LETRAS – LICENCIATURA EM PORTUGUÊS
A Construção Paródica – Bíblica na obra: “A Paixão Segundo GH” de Clarice Lispector
Projeto apresentado ao Curso de Licenciatura em Português, como requisito parcial para obtenção da Licenciatura em Letras - Português, sob orientação da Professora Josiane Maria de Souza.
PIRACICABA - SP
Maio 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, meus familiares, amigos e entes queridos que, ainda muitos sem saber, me ajudaram a caminhar passo a passo e alcançar a este meu objetivo que a principio era tão distante.
Aos professores por tudo que me foi ensinado e, a minha orientadora por fazer caminho comigo.
RESUMO
Este trabalho é um estudo sobre o papel da paródia na obra de Lispector “A Paixão Segundo GH” (1964), sobre como se constrói a reinterpretação da história bíblica de maneira contundente e questionadora a Paixão de Cristo aqui é reconstruída em novo sentido e a paródica se dá, sobretudo, a partir do reaproveitamento de temas da Paixão de Cristo e da Criação, os quais são retiradas do contexto religioso cristão e colocadas numa situação cotidiana, uma mulher em um apartamento com uma barata.
Palavras chaves: paixão, reconstrução, paródica, barata, bíblia.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 06
CAOS .................................................................................................................... 10
PROVAÇÃO ......................................................................................................... 12
PECADO ............................................................................................................... 16
DANAÇÃO ............................................................................................................ 21
PAIXÃO OU O GOLPE DA GRAÇA .................................................................... 23
CONCLUSÃO ....................................................................................................... 34
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 39
INTRODUÇÃO
A paixão segundo G.H. é construída através de um enredo corriqueiro, banal. Após mandar embora a empregada, G.H resolve fazer uma faxina no quarto da serviçal. Ao começar a limpeza, se depara com uma barata. Tomada pelo susto que, manifesta o grito, o nojo, GH esmaga a barata contra a porta do armário.
A partir desse momento a personagem entrará no fluxo de perda/busca da identidade pessoal, posto que numa espécie bárbara de “rito”, decide provar da gosma da barata morta. Ao provar desta gosma, G.H opera-se em uma revelação.
A barata repentina em meio à rotina de G.H, entre a casa, os filhos lançou-a para um universo fora do humano, onde a personagem inicia um longo processo de perda/busca da identidade.
Esse anseio de encontrar os restos do homem quando a linguagem se esgota é o que move a literatura de Clarice Lispector.
Esta literatura, portanto, não é de fácil interpretação, acerca disso Clarice mesmo afirma:
A obra clariceana não é de fácil assimilação, pois exige demais do leitor,
descentrando-o constantemente, questionando-o, abalando seu sistema de referência... incluindo o de leitura. Ou seja, diante de sua obra, os modelos tradicionais de interpretação de texto parecem falhos, como se o tempo todo algo ficasse de fora ¾ e fica. Clarice já havia percebido isso em relação à sua obra e em várias ocasiões comentou o fato, como podemos conferir no trecho a seguir:
“Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais’”(Lispector, 1973, p.14).¹
Muito já fora produzido a cerca das escritas de Clarice Lispector, inclusive de sua obra “A Paixão Segundo GH” (1964).
Assim como toda a escrita de caráter introspectivo de Clarice Lispector, “A paixão Segundo GH” (1964) é o relato de uma experiência pessoal onde a personagem G.H passa por um processo de perda/busca de sua identidade pessoal.
O que se pretende neste trabalho é mostrar como a autora constrói este processo de perda/busca da identidade da personagem “G.H”, através da 1
reconstrução paródica da história de Cristo, da Criação e da Paixão. Durante toda a construção da obra observamos transposições, citações ou alusões aos textos bíblicos, desde ao título até o “caminho” de identidade pessoal que percorre G.H.
São variadas as possibilidades de compreensão abertas pelo texto literário. O estudo do tema levará em conta apresentar e explicar que a paródia - intertextual que constrói Clarice Lispector “nada tem de cômico, ao contrario, apresenta um forte tom irônico e questionador”2, a experiência de perda/busca da identidade pessoal que passa a narradora-personagem, os momentos de caos, provação, redenção até a construção final: a Paixão.
Discutir conceitualmente uma obra de arte implica tomá-la numa certa perspectiva necessariamente, em certo sentido, destruí-la enquanto obra. Uma das únicas formas de falar de modo artístico de arte é compondo uma outra obra que dialogue com ela, comparando -as.
O tema escolhido justifica-se na apresentação da reconstrução paródica - intertextual de Clarice Lispector que, utiliza fragmentos modificados dos textos bíblicos, rompe com a tradição, com o enredo e constrói sua obra através de uma desconstrução anterior, por sobreposição, na transposição de textos tanto do Antigo quanto do Novo testamento no uso da inclusão dos dualismos e paradoxos, nas alusões implícitas ou explicitas.
O critico Benedito Nunes em O Drama da Linguagem, Uma Leitura de Clarice Lispector (1995), dedica uma parte à análise do romance “A paixão Segundo G.H”, onde nos conta que a personagem G.H:
(...) fascinada pela barata que simultaneamente a repugna e atrai, experimenta inicialmente uma náusea seca, que é seguida por um êxtase selvagem em que ela se vê sendo vista, esvaziada de sua vida pessoal . No estado de êxtase, as oposições inconciliáveis da existência se confundem diante de G.H, numa visão abissal que reduz as diferenças e tenta supri-las.
Nesta perspectiva a personagem passa por um processo de conversão radical, em que a experiência do sacrifício da identidade pessoal a leva à dolorosa sabedoria da renuncia. Esta sabedoria é paradoxal, pois a perda de G.H se transforma em ganho: através da negação de si mesma, ela atinge a realidade autentica. A descida em direção a esta existência impessoal constitui uma verdadeira ascese, em que G.H se desliga do mundo e experimenta a perda do eu.
Ora, as correntes místicas do Oriente e do Ocidente convergem na visão do ascetismo
como uma prática negativa de pregação e desnudamento da alma. O ascetismo é um método que visa ao sacrifício do eu. O processo só se completa quando o individuo supera suas limitações egoísticas que o separam da totalidade do real. Neste sentido, a purgação ascética constituiria uma antecipação da morte.
A fim de ultimar a experiência de perda da individualidade, a personagem ingere a massa branca da barata esmagada, tentando assumir redimir- se na e com a própria coisa que participa: " é uma espécie de comunhão negra, sacrílega e primitivista, que ritualiza o sacrifício consumado". Este gesto de extremo desprezo à própria pessoa, contudo, gera um acesso incoercível de nojo, tal como no começo. E G.H, que saíra de seu mundo pela repugnância, a ele retorna também pela repugnância.
Mas a personagem que retorna ao mundo não é mais a mesma que dele saíra. A trajetória seguida por G.H acompanha, muito de perto, a via mística, reproduzindo as suas limagens típicas do deslocamento espacial (saída/entrada),
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