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Religião E Modernidade

Querco25 de Agosto de 2014

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Universidade de Brasília – Departamento de Antropologia/Dan – UnB

Agênor Batista

A defesa da teoria weberiana pretende oferecer um olhar crítico às interpretações históricas das mudanças no campo religioso do mundo moderno. Uma modernidade que mesmo desvencilhada de uma lógica seminal das representações religiosas no âmbito da racionalização, ainda resvala no sistema de um weber preocupado em desvendar as mudanças que ocorriam na Europa. Pierucci, fero defensor do pensamento de weber, personifica a extensão desse olhar teórico quando afirma que a teoria de weber é privilegiada ao apreender a “dinâmica atual do campo religioso”, não só em terras brasileiras, mas no amplo mundo religioso afora. Segundo ele Weber oferece um aporte teórico capaz de apreender os múltiplos aspectos do universo religioso no mundo contemporâneo.

Parece-me que o problema repousa, sobretudo, na posição (ou predileção) de Pierucci em não problematizar a teoria de weber em face ao conhecimento da vida religiosa que temos atualmente, que possam solapar algumas premissas weberianas. Elegendo a teoria weberiana como pano de fundo das vicissitudes que o sagrado tem sofrido desde a tão enaltecida racionalização ocidental até os efeitos da modernidade, seja lá a que esse conceito espectral represente. Além disso, Pierucci afirma que os estudos religiosos só podem compreender os fenômenos e sua diversidade se estender ao seu lado a sagacidade prognóstica de Weber.

O autor defende que um esquema teórico fundamentado em weber que acomoda o mundo religioso em uma dissolução que somente demonstra liquescência das religiões e os indivíduos que recebem a força avassaladora das religiões de conversão individual. Esse preceito parte sempre da formulação da tipologia weberiana, que para ser válido ignora alguns problemas. Problemas que pretendo demonstrar mais a frente. O prognóstico de weber

É possível concordar com a argúcia de Pierucci ao desfazer o mal entendido da dessecularização na América Latina, colocado por alguns autores como a revanche do sagrado. O autor é perspicaz quando demonstra a secularização como um processo que se “instala na esfera da normatividade jurídico –política”. Ele claramente quer sublinhar o caráter sistemático do conceito, que vem sendo dispensado enquanto tal. Pierucci demonstra: há que se separar a extensão do conceito, e o que ele representa no processo de racionalização do ocidente. Aí está o que Pierucci considera a maior contribuição da teoria weberiana, explicar no ocidente a racionalização religiosa e a dessacralização da âmbito legal – administrativo.

Assim conclui que o surgimento de uma “multiplicidade crescente de manifestações e formações religiosas extra-clericais, paraeclesiais e não-eclesiais que as sociedades mais modernas têm visto surgir e proliferar a partir dos anos 70”, não destoa do fenômeno da secularização, mas sim reafirma seus efeitos. Essa contribuição ninguém há de negá-lo, pois demonstra uma sociologia do direito notável, mas no meu entender não é suficiente quando aplicada ao campo da religião pura e simplesmente.

É realmente admirável a argúcia de Pierucci ao desemaranhar com cuidadoso trabalho o enredado dos conceitos secularização e desencantamento. Mas vejo que sua defesa exige uma continuidade da teoria, desdobrada em diversos campos religiosos, que não me parece justa.

Artefato intelectual refinado, o conceito de secularização que Pierucci esmiúça em weber parece ser a resposta para muitas perguntas, um discurso sociológico usado para designar a racionalização do mundo contemporâneo. Mas creio que Pierucci reafirma velhas teses evolucionistas quanto toma esse processo típico ideal.

Pierucci defende um Weber não-evolucionista, evocando sua imagem de intelectual “avesso a previsões fechadas com pretensão nomológica”. Interessante essa defesa, que é marcada para demonstrar que weber “sempre foi metateoricamente avesso a previsões fechadas com pretensão nomológica no formato teleológico-hegeliano do gênero filosofia da história”, um Weber que costumava “escarnecer das profecias acadêmicas”. Mas quando Weber parece acertar, dentro de um esquema teórico valido para sua sistematização, ele de pronto elogia as noções Weberianas, em que o racionalismo ascético incrustado nas religiões de conversão produziram por excelência sentidos capazes de “arregimentar a vida” e individualizar por meio de uma “ruptura de laços”.

Essa preciosíssima noção weberiana que exatamente por se mostrar assim tão certeira como prognóstico dos desenvolvimentos futuros que se efetivariam na predominância crescente dessa forma de religião no decorrer da modernidade, tão realista avant la lettrena captação sagaz da capacidade corrosiva de que é capaz uma religião quando moderna, tão auto-evidente em sua validade heurística (...). Em sua radicalidade já de berço, vejo essa idéia como absolutamente estratégica e indispensável se quisermos abordar de um bom ângulo de visão o tipo-matriz de religiosidade que hoje em dia permeia, moderníssimo e pós-moderno, os mais importantes surtos de crescimento confessional congregacional no agitado campo religioso do Brasil e de todos os outros países da América Latina.

O argumento de que o surgimento de uma “multiplicidade crescente de manifestações e formações religiosas extra-clericais, paraeclesiais e não-eclesiais que as sociedades mais modernas do Ocidente têm visto surgir e proliferar a partir dos anos 70”, não destoa do fenômeno da secularização, mas sim reafirma seus efeitos é o que Pierucci defende, no entanto o que gostaria de problematizar é o que a fita métrica típico-ideal da secularização deixa escapar. Enaltecendo um crescente efeito de racionalização e individualização.

O que incomoda na teoria típico – ideal weberiana, ou no uso dela, para explicar diversos fenômenos religiosos não é sua forma de delinear os processos de racionalização do mundo, que embora não os mensure numa trajetória retilínea, os condicionam a certos elementos como se eles fossem reflexo direto do próprio mecanismo da secularização/desencantamento. Por exemplo, Pierucci cita o exemplo das regiões australianas, onde os chefes dos clãs passaram a tomar decisões submetidas a uma nova normatização racionalizada, onde outrora as decisões se davam por consultas a lideres de ordem mágica, como feiticeiros. Nesse tipo de exemplo fatídico, que ilustra bem as condições dos elementos da racionalização há um engano corrente, que o próprio weber não poderia mensurar: as condições do próprio sistema sociocultural, que recebe os efeitos não são levadas em consideração. É uma abordagem que “descreve o estado das mudanças, mas não seus mecanismos.”

A etnografia contemporânea tem mostrado que mudanças dessa ordem atendem a mecanismos internos dos sistemas simbólicos e sociocosmológicos de alguns povos, e a não uma imposição direta de uma leva ocidental secularizante. Esse tipo de interpretação, creio tem sua raiz na ideia trivial de que os processos do pensamento “primitivos” tem por noção principal o imediatismo de uma magia simbolíca fulgaz, orientada para necessidades prementes, que obscurecem relações de significação mais agudos e engenhosos.

Em texto arguto Mary Douglas demonstra que essa suposição da magia como objetivo principal da religião autóctone, é um preceito duvidoso que promove negação de símbolos e da capacidade de oferecer estados de conduta para a experiência religiosa que não se enquadre dentro desse processo imediato, que tão fortemente se contrasta com a racionalização tal qual o Ocidente vivenciou.

Para Weber/Pierucci, a racionalização funciona dentro de parâmetros bem demarcados na técnica racional jurídica, sensíveis às normas. É claro que tal parâmetro se cola bem a Europa de Weber, onde se viu a Religião, antes uma força central da vida cultural, trasmigrar perante um novo processo e fragmentar a esfera do sagrado. “Um poder em declínio”. Mas quando passa a mensurar outros tipos de contextos varre como tufão as representações do sagrado no pensamento alhures. Para Weber, personalizado no seu paladino Pierucci, a racionalização se espraia através das instituições acadêmicas na forma de uma crescente teorização abstrata, introduz-se cada vez mais na esfera social, configurando uma formalização e atendendo a um processo longo de “sistematização, estruturação, articulação, unificação, homogeneização, abstração, universalização etc”. O mbito jurídico, fruto desse processo de racionalização formula o direito natural moderno, que

“Enfeixa harmoniosamente tecnicalidades, clareza e precisão conceitual, lógica formal e rigor dedutivo, estruturação coerente e sistematicidade, sofisticação intelectual e abstração elevada, alcançando nada menos que o plano racional superior da justificação por princípios”.

Eis o direito como extensão da secularização. Acompanhado do ascetismo religioso, que acontece com o afastamento da magia. Essa instituição é que marca o mundo moderno, de tal forma que os processos aludidos acima só podem ocorrer dentro dele. Eis uma descrição da transformação da esfera religiosa na vida social, mas não suficiente para calçar todo e qualquer tipo de racionalidade, sem antes recorrer a relações internas.

Até mesmo autores que consideram algumas conclusões de Pierucci equivocadas, como Lísias Negrão, que chama a atenção para o desenvolvimento do caso brasileiro, que correu numa “modernização racionalizante extra-religiosa”,

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