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Reflexões Acerca da Miscigenação e do Racismo na Historiografia Brasileira


Enviado por   •  15 de Agosto de 2015  •  Ensayos  •  2.199 Palabras (9 Páginas)  •  221 Visitas

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Reflexões Acerca da Miscigenação e do Racismo na Historiografia Brasileira

João Marcos Barbosa Marinho

Joao.m.marinho@gmail.com

Temos aqui numerosas pessoas ricas de cor. Vi senhoras negras passarem vestidas de seda e cobertas de joias, escoltadas por escravos de libré. Hoje vi uma em sua carruagem, acompanhada por um lacaio de libré e um cocheiro. Muitas estão casadas com brancos. O primeiro médico da cidade é negro, assim como o Presidente da província. A viscondessa C... e muitas personalidades das melhores famílias são mestiças.

(EWBANK, 1976. P. 203).

Thomas Ewbank, norte-americano, visitou o Brasil entre os anos de 1845 e 1846. Turista atento registrou em seus cadernos passagens deliciosas da vida carioca no século XIX. Seu texto carregado de exóticas cores nova-iorquinas ajudou os estudiosos da história a comporem um rico painel da sociedade carioca, o que nos ajuda a entender, ou pelo menos apontar, nossas contradições como pais independente e escravocrata.

Ewbank tinha consciência que vivia em uma época especial, novas tecnologias estavam sendo geradas, máquinas modificavam habito seculares, “A época atual representa o inicio de um novo capitulo na história do homem e, talvez, de uma nova era no desenvolvimento de seu próprio ser” (EWBANK, 1976, p.11). Hobsbawm lembra que o livro “A volta ao mundo em 80 dias” escrito por Julio Verne e publicado em 1872, não poderia ter sido escrito trinta anos antes. Em 1850, havia menos de 25 mil milhas de trilhos ferroviários instalados, em 1880, 250 mil milhas.(HOBSBAWM,1982, p.66)

Contudo, conectado com sua época, Ewbank sabia que seu país estava dividido. Enquanto alguns estados americanos adotavam a escravidão como força de trabalho, produzindo em grandes propriedades rurais um único produto, outros adotavam o trabalho assalariado e a produção industrial.

A disputa entre estes dois modelos acompanhou toda a primeira metade do século XIX. Em 1832 a Carolina do Sul ameaçou romper com a União, não aceitava pagar impostos por produtos importados. O norte queria proteger sua jovem indústria, já o sul, sem ser colônia, seguia a máxima do sistema colonial, exportar produtos agrícolas e importar produtos manufaturados. Acordos são feitos e ela continua na união.

Vinte e nove anos depois da ameaça da Carolina do Sul a forma de ocupação do oeste, pequenas propriedades com mão de obra livre ou grandes propriedades com mão de obra escrava, acaba por ser o gatilho da Guerra civil (1861-1865). Apesar das enormes diferenças, os dois grupos não discordavam quanto à percepção da inferioridade do negro. Para o americano médio do sul ou do norte a miscigenação era algo repulsivo. Os mundos do negro e do branco deveriam andar separados.

Nosso viajante ficou espantado com o espetáculo das cores no Brasil! Negras tratadas como senhoras, negros médicos, negros nas melhores famílias! Escapava de sua compreensão um mundo mesclado, mulato onde tons de cinza fossem notados. O mundo não era branco e preto como nos Estados Unidos.

A questão da miscigenação é central na nossa historiografia. Karl Von Martius, vencedor do concurso promovido pelo IHGB na década de quarenta do século XIX, lança a ideia de que a pedra de roseta para compreensão da história do Brasil seria o estudo da mistura das três raças. A tese era inovadora e seus contemporâneos, espantados, passaram ao largo, continuaram produzindo obras factuais que, bem ao espírito da época, citavam o índio e o negro no rodapé, dando destaque aos portugueses. O grande historiador deste período foi o Visconde de Porto Seguro. Em sua obra a história foi feita pelos brancos, os índios e os negros eram bárbaros e não mereceram muito tempo de sua pena.

No inicio do século XX Capistrano de Abreu inova quando passa a estudar a sociedade colonial, seus desequilíbrios e contrastes e não apenas a história política e econômica. Quanto à miscigenação ele reitera estereótipos, negros e mulatos alegres e lascivos. Para completar o quadro ele usou a teoria da raciologia cientificista exibindo a miscigenação racial como um perigo para a civilização brasileira. A mescla cultural seria um fator de desagregação nacional.

Duas décadas depois, aproveitando o passe de Capistrano, Paulo Prado publica seu Retrato do Brasil apontando o dedo para o sexo na colonização brasileira. Nossos antepassados teriam sidos portugueses degredados e degenerados que tinham no topo de suas prioridades a fornicação. Conclusão, com a presença dos negros, libidinosos, a miscigenação foi inevitável.

O que salta aos olhos na obra de Paulo Prado é que ele não deposita na conta do negro o problema racial do Brasil, mas sim na da miscigenação. O negro tinha seus vícios e qualidades, era inferior socialmente e culturalmente, mas o mal a ser atacado era a miscigenação, a questão racial seria resolvida pela arianização da sociedade, diminuindo, geração a geração, a porcentagem de “sangue negro” na sociedade brasileira.

Em 1902, Manuel Bonfim, médico e historiador, publica America Latina: males de origem, que parte de uma premissa inversa, a miscigenação foi positiva na formação do povo brasileiro. Como médico ele observa a questão sob o olhar das ciências naturais. Os conceitos de cruzamento de raças ou espécies distintas são largamente utilizados para justificar o aspecto positivo da miscigenação. O raciocínio raciológico em Capistrano e Paulo Prado ataca a miscigenação, já na obra de Manuel Bonfim ela é considerada positiva. Como a farinha a raciologia pode ser usada para fazer pães doces ou salgados, dependendo do gosto do freguês!

Casa grande & senzala, publicado em 1933 é o grande divisor de águas sobre a questão da miscigenação. Gilberto Freyre vai alem do conceito de raça e trabalha com a ideia de cultura, "o que lhe permitiu entrelaçar o fenômeno da miscigenação étnica e da mescla cultural". (VAINFAS, 1999, P.6). Estabelecendo relações entre atração sexual e tolerância racial, buscava, a partir da vida cotidiana, demonstrar que o colonizador branco e o colonizador negro construirão uma democracia racial. Amado ou odiado Freyre torna-se obrigatório para os estudiosos da questão racial no Brasil. Para o poder publico as ideias do autor de Casa grande & senzala serviram como uma luva, o governo Vargas vai usar e abusar do conceito de democracia racial. No estado novo a valorização da cultura negra foi visto como fator de união nacional,

(Gilberto Freire) “foi um autor que defendeu a possibilidade de conciliação entre etnias diversas e mesmo antagônicas, e também entre

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