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O amor é uma falácia “Max Shulman”

aclaramientovoca8 de Junio de 2014

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O AMOR É UMA FALÁCIA “Max Shulman”

Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto — era tudo isso. Tinha o cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha — imaginem — só 18 anos. Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Escobar. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque os outros a seguem, isso, para mim, é o cúmulo da insensatez. Escobar, no entanto, não pensava assim. Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: Apendicite! — Não se mexa. Não tome laxativos. Vou chamar o médico. — Marmota... – balbuciou ele. — Marmota? – disse eu interrompendo minha leitura. — Quero um casaco de pele de marmota – gemeu ele. Percebi que o seu problema não era físico, mas mental. — Por que você quer um casaco de pele de marmota? — Eu devia ter adivinhado – gritou ele, dando tapas nas próprias têmporas. — Devia ter adivinhado que eles voltariam com o a moda boca-de-sino. — Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar um casaco de pele de marmota! — Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão mesmo usando casacos de pele de marmota outra vez? — Todas as pessoas importantes da Universidade estão. Aonde você tem andado? — Na biblioteca – respondi, citando um lugar não freqüentado pelas pessoas importantes da Universidade. Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto. — Preciso conseguir um casaco de pele de marmota. — Preciso! — Por quê, Escobar? Veja a coisa racionalmente. Casacos de pele de marmota são anti-higiênicos. Soltam pelos. Cheiram mal. São pesados, são feios, são... — Você não compreende – interrompeu ele com impaciência. — É o que todos estão usando. Você não quer andar na moda? — Não – respondi sinceramente. — Pois eu, sim! – declarou ele. — Daria tudo para ter um casaco de pele de marmota. Tudo! Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor. — Tudo? – perguntei, examinando seu rosto com os olhos semicerrados. — Tudo! – confirmou ele, em tom dramático. Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar um casaco de pele de marmota. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um baú, no sótão de nossa casa. E, também, por acaso, Escobar tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua garota, Capitu. Eu há muito desejava Capitu. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Capitu para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais. Cursava eu o primeiro ano de Direito. Dali a algum tempo estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem do papel da esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Capitu preenchia perfeitamente a todos esses requisitos. Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá. Graciosa também era. Por graciosa, quero dizer, cheia de graças sociais. Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a

2 elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. À mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Capitu na cantina da Faculdade comendo a especialidade da casa – um sanduíche que continha pedaços de carne assada, óleo, castanhas e repolho – sem nem sequer umedecer os dedos. Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o lado oposto. Mas eu confiava em que, sob minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos, valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita. — Escobar – perguntei — Você ama Capitu? — Acho-a uma boa garota – respondeu – mas não sei se chamaria isso de amor. — Por quê? — Você – continuei – tem alguma espécie de arranjo formal com ela? — Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro? — Não. Nos vemos seguidamente, mas saímos os dois com outros também. — Por quê? — Existe alguém – perguntei – algum outro homem de quem ela goste de maneira especial? — Que eu saiba não. — Por quê? Fiz que sim, com a cabeça, satisfeito. — Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso? — Acho que sim, bolas. — Aonde quer chegar? — Nada, nada. – respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário. — Onde é que você vai? – quis saber Escobar. — Passar o fim de semana em casa. Atirei algumas roupas dentro da mala. — Escute. – disse Escobar, apegando-se com força ao meu braço – em casa, será que você poderia pedir dinheiro ao seu pai e me emprestar para comprar um casaco de pele de marmota? — Posso até fazer mais do que isso. – respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí. — Olhe – disse a Escobar, ao voltar na segunda-feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante do seu Maverick em 1975. — Santo Pai! –exclamou Escobar, com reverência. Mergulhou as mãos no pêlo do casaco, e depois o rosto. — Santo Pai! – repetiu umas quinze ou vinte vezes. — Você gostaria de ficar com ele? – perguntei. — Sim! – gritou ele, apertando a coisa sebosa contra o peito. Em seguida, seus olhos tomaram um ar precavido. — O que você quer em troca? — A sua garota – disse eu, não desperdiçando as palavras. — Capitu? – sussurrou Escobar, horrorizado. — Você quer a Capitu? — Isso mesmo... Ele jogou o casaco para longe. — Nunca! – declarou resoluto. Dei de ombros. — OK. Se você não quer andar na moda, o problema é seu... Sentei numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Escobar, com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para o casaco, com a expressão de uma criança desamparada à vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois, voltava a olhar para o casaco, com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois, virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente não se virou mais; ficou olhando para o casaco com pura lascívia. — Não é como se eu estivesse apaixonado por Capitu – balbuciou. – ou mesmo a namorando, ou coisa parecida. — Isso mesmo – murmurei. — Afinal, Capitu significa o que para mim, ou eu para ela? — Nada. – respondi. — Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco, só isso... — Experimente o casaco – disse eu. Ele obedeceu. O casaco cobria as orelhas e caía até os sapatos. Ele parecia um monte de marmotas mortas. — Serve perfeitamente. – disse ele contente.

3 Levantei da cadeira e perguntei, estendendo a mão: — Negócio feito? — Feito. – disse ele engolindo em seco e apertando a minha mão. Saí com Capitu pela primeira vez na noite seguinte. O primeiro programa teria o caráter de uma pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar. — Puxa, que jantar bacana! – disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema. — Puxa, que filme bacana! – disse ela, quando saímos do cinema. Levei-a para casa. — Puxa, foi um programa bacana. – disse ela ao me desejar boa noite. Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça parecia aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Escobar. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca e um garfo e decidi tentar novamente. Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de Direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto, tinha tudo na ponta da língua. Capitu – disse eu, quando a fui buscar em nosso segundo programa. — Esta noite vamos até o parque conversar. — Oh, que bacana! – respondeu ela. Uma coisa deveria ser dita em favor da moça: Seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo. Fomos até o parque, o local de encontros da Universidade, nos sentamos debaixo de um velho carvalho, e ela me olhou cheia de expectativa. — Sobre o que vamos conversar? – perguntou. — Sobre Lógica. — Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou: — Bacana! — A Lógica – comecei, limpando a garganta – é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje. — Bacana! – exclamou ela, batendo as palmas de alegria, coma mesma expressão de perspicácia que se esperaria

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