PSICOLOGIA SOCIAL E PROCESSO GRUPAL: A COERÊNCIA ENTRE FAZER, PENSAR E SENTIR EM SÍLVIA LANE
MaLM3 de Diciembre de 2012
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RESUMO: O presente artigo trata da concepção histórica e dialética de processo grupal proposta por Sílvia Lane,
que utiliza como base para suas reflexões os pressupostos de materialismo dialético quando considera os aspectos
pessoais, as características grupais, a vivência subjetiva e a realidade objetiva e o caráter histórico do grupo. O que
pretendemos enfatizar neste artigo é a produção sobre grupo presente em sua obra que foi se construindo no decorrer
das décadas de 1980 e 1990, sintetizada no texto O processo grupal. Neste sentido, busca-se trazer as contribuições
presentes no conjunto de sua obra, sistematizadas em artigos, coletâneas e livros, em que Sílvia Lane discute a
articulação de algumas categorias fundamentais para a análise do processo grupal e suas implicações teóricas,
metodológicas e prático-políticas.
PALAVRAS-CHAVE: Processo grupal; atividade; consciência; Psicologia Sócio-Histórica.
SOCIAL PSYCHOLOGY AND GROUP PROCESS: COHERENCE BETWEEN DOING,
THINKING AND FEELING IN SÍLVIA LANE
ABSTRACT: The present article discusses historic and dialectical conceptions of group process by Sílvia Lane, that
uses like base for her reflections the presuppositions of dialectical materialism, when the author considers the personal
aspects, the group characteristics, the subjective existence and objective reality and the historical character of
the group. This article intends to emphasize the production written by Sílvia Lane about group between 1980 and
1990 summaried in the text The group process. In this direction, it searchs to bring the contributions in her work
through articles, collections and books that Sílvia Lane discusses some fundamental categories to the analysis of
group process and their theoretical and methodological evolvement and practical-politics.
KEYWORDS: Group process; activity; conscience; Psychology socio-historical.
As publicações do artigo Uma redefinição da Psicologia
Social na revista Educação & Sociedade (1980a) e
do livro O que é Psicologia Social (1981a) por Sílvia
Lane marcam claramente um novo momento da história
da Psicologia Social brasileira e latino-americana. Nesses
trabalhos, num explícito posicionamento ético-político,
Lane apresenta as bases para a construção de uma
Psicologia Social crítica no Brasil.
Mais adiante, em A Psicologia Social e uma nova
concepção do homem para a Psicologia, do livro Psicologia
Social: O homem em movimento, Lane (1984a)
reafirma que “caberia à Psicologia Social recuperar o
indivíduo na intersecção de sua história com a história
de sua sociedade – apenas este conhecimento nos permitiria
compreender o homem enquanto produtor da
história” (p. 13).
Na Arqueologia das emoções, Lane (2000a) inicia
seu texto retomando os principais pressupostos teóricometodológicos
que permearam a sua produção desde os
anos 80, reafirmando sua filiação à abordagem da psicologia
com base no materialismo histórico e dialético. No
decorrer das décadas de 1980 e 1990, seu trabalho foi
enriquecido com as contribuições da psicologia sóciohistórica
russa de Vigotski, Leontiev e Luria, e os escritos
de Wallon e Martín-Baró, evidenciando a coerência teórico-
metodológica da professora Sílvia Lane na produção
científica, na perspectiva da psicologia social crítica. A
ênfase no papel da psicologia social enquanto contribuição
para a compreensão do psiquismo, através do estudo
da consciência humana e da proposição de práticas
psicossociais está sempre presente em suas publicações.
A importância de sua produção, tanto para nos indicar
os subsídios teóricos, quanto para o delineamento
metodológico das investigações psicossociais, é evidente.
No entanto, o que pretendemos enfatizar neste artigo
é a produção sobre grupo presente em sua obra, fundamentalmente
o texto O processo grupal, capítulo do livro
Psicologia Social: O homem em movimento (1984b),
que sintetiza os aspectos teóricos, metodológicos e práticos/
políticos de suas reflexões sobre o tema, contribuindo
para a elaboração de uma concepção histórica e
dialética do processo grupal.
As contribuições de Sílvia Lane para a formulação
de concepção e propostas de análise do processo grupal,
como ela mesma dizia, foram se construindo no decorrer
de suas experiências de pesquisa, na disciplina
Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 76-80, 2007
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“Processos Grupais” que ela ministrava para seus alunos
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social,
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP
(1981b, 1989; Lane & Freitas, 1997), e no diálogo
com vários colegas da Psicologia Social brasileira e latino-
americana. Neste sentido, traremos para o texto as
contribuições presentes em sua produção, sistematizadas
em artigos, capítulos de livros e livros, em que ela, e
por vezes com colaboradores, faz menção ao tema.
Processo Grupal: Uma Perspectiva Histórica
e Dialética
Ao realizar uma revisão de diferentes teorias sobre
grupo, Lane (1984b) encontrou em seus estudos duas
grandes posições. A posição tradicional defendia que a
função do grupo seria apenas a de definir papéis e, por
conseqüência, implicaria garantir a produtividade dos
indivíduos e grupos através da manutenção e harmonia
das relações sociais. Outra posição, por sua vez, enfatiza
o caráter de mediação do grupo, afetando a relação entre
os indivíduos e a sociedade. Nesta posição prevalece a
preocupação com o processo pelo qual o grupo se produz,
considerando as determinações sociais presentes
nas relações grupais. A partir dessa constatação e se
apropriando dos avanços que algumas teorias traziam
para a compreensão da experiência grupal enquanto
processo, Lane propõe algumas premissas para se conhecer
o grupo:
1) o significado da existência e da ação grupal só pode
ser encontrado dentro de uma perspectiva histórica
[itálicos nossos] que considere a sua inserção na sociedade,
com suas determinações econômicas, institucionais
e ideológicas [itálicos nossos]; 2) o próprio
grupo só poderá ser conhecido enquanto um processo
histórico [itálicos nossos], e neste sentido talvez fosse
mais correto falarmos em processo grupal [itálicos
nossos], em vez de grupo. (Lane, 1984b, p. 81).
Ao falar em processo grupal e não em grupo ou dinâmica
de grupo Lane (1981b, 1984b) se posiciona, trazendo
para o centro da discussão o caráter histórico e
dialético do grupo. Não se trata apenas de diferença na
denominação, mas uma diferença profunda no fenômeno
estudado. A partir dessa perspectiva, estamos afirmando
o fato de o próprio grupo ser uma experiência histórica,
que se constrói num determinado espaço e tempo,
fruto das relações que vão ocorrendo no cotidiano e, ao
mesmo tempo, que traz para a experiência presente vários
aspectos gerais da sociedade, expressas nas contradições
que emergem no grupo, articulando aspectos pessoais,
características grupais, vivência subjetiva e realidade
objetiva. Ressaltar o caráter histórico do grupo implica
compreender que o grupo, na sua singularidade,
expressa múltiplas determinações e as contradições presentes
na sociedade contemporânea. Assim, segundo
Lane (1984b),
todo e qualquer grupo exerce uma função histórica de
manter ou transformar as relações sociais desenvolvidas
em decorrência das relações de produção e, sob
este aspecto, o grupo, tanto na sua forma de organização
como nas suas ações, reproduz ideologia, que,
sem um enfoque histórico, não é captada. (p. 81-82)
Neste sentido, tomando como base a concepção histórica
e dialética do processo grupal presente na obra de
Lane (1980a, 1981b, 1984b, 1989, 1998; Lane & Freitas,
1997), não é suficiente afirmar que o grupo baseia-se
apenas em reunir pessoas que compartilham normas e
objetivos comuns. Significa compreender o grupo enquanto
relações e vínculos entre pessoas com necessidades
individuais e/ou interesses coletivos, que se expressam
no cotidiano da prática social. Além disso, o grupo é
também uma estrutura social, uma realidade total, um
conjunto que não pode ser reduzido à soma de seus membros,
supondo alguns vínculos entre os indivíduos, ou
seja, uma relação de interdependência. À semelhança de
qualquer vivência humana, o processo grupal implica
relações de poder e de práticas compartilhadas e, ao se
realizar, desenvolve a sua identidade (intragrupo e
intergrupos). A atividade grupal tem, portanto, a dimensão
externa relacionada com a sociedade e/ou outros grupos,
quando o grupo deve
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