Texto E Contexto
Luciane21 de Abril de 2014
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A RELAÇÃO TEXTO/GRAMÁTICA: CRENÇAS DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Luciane Sippert (Mestre em Educação nas Ciências, UNIJUÍ)
Lucia Rottava (UNIJUÍ)
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo identificar as crenças de professores com relação a texto/gramática no ensino de Língua Portuguesa. Os dados foram obtidos por meio de uma entrevista semi-estruturada aplicada a professores de Língua Portuguesa atuantes nas Séries Finais do Ensino Médio e gravações de sala de aula. Os resultados sugerem que embora estes professores demonstrem ter um certo conhecimento teórico das discussões lingüísticas a respeito da relação texto/gramática no ensino de LP, suas práticas metodológicas divergem de seu discurso. É possível afirmar que as professoras adquiriram o discurso acadêmico, no entanto não conseguem transformá-lo em realidade prática na sala de aula. Constatando-se, assim, que estes professores são influenciados muito mais por seu conhecimento prático do que pelo conhecimento científico, propriamente dito. Uma contribuição deste estudo diz respeito à reflexão sobre as implicações que a cultura de ensinar do professor apresenta no ensino de Língua Portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Texto; Gramática; Crenças; Ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa.
INTRODUÇÃO
Estudos que tratam das crenças ou da cultura de ensinar de professores têm indicado que elas apresentam uma forte influência no processo ensino/aprendizagem de Línguas. Esses estudos foram desenvolvidos em contextos de Língua Estrangeira (Barcelos, 2001; Almeida Filho, 1993 e Gimenez, 2000, dentre outros) investigando, por exemplo, quais fatores que poderiam estar influenciando a prática do professor. Entretanto, pesquisas em contextos de português como Língua Materna são recentes e muitas questões merecem ser investigadas, dentre elas se as experiências de aprendizagem que os aprendizes vivenciaram em contextos de sala de aula, particularmente em aulas cujo foco era o ensino da gramática ou em aulas que estes alunos eram instados a produzir textos, têm apresentado influências no processo ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa (doravante LP)
Abordagens de ensino de LP mais recentes (PCNs, 1997; Travaglia, 1998 e 2003; Neves, 2002 e 2003) têm indicado que no processo ensino/aprendizagem de LP o texto e a gramática não devem ser ensinados como se fossem dimensões distintas do processo ensino/aprendizagem.
Desse modo, levanta-se a hipótese de que as experiências de aprendizagem que os professores tiveram no Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM) com relação ao texto e a gramática entram em conflito com uma proposta que vê uma relação intrínseca entre texto/gramática.
A falta de clareza entre essa integração texto/gramática no processo de ensino/aprendizagem da língua tem gerado tensão entre o ensino do texto e da gramática, como se um excluísse o outro. Pressupõe-se que essa falta de clareza se deve ao fato de que a maioria dos professores não possui um conhecimento mais aprofundado sobre as diferentes concepções de texto e de gramática e, conseqüentemente, pouco compreendem a relação que há entre eles, ou como seria possível trabalhar com o texto e a análise lingüística juntamente, visto que o texto não deveria ser visto como uma unidade isolada.
Essa lacuna pressupõe a ênfase gramatical recorrente no ensino da LP, pois ao ignorar as discussões teóricas sobre a língua para além de uma perspectiva estruturalista, a maioria dos professores tem enfatizado o ensino de conceitos gramaticais, repassados para os alunos de uma forma ambígua ou errônea, não contribuindo para o desenvolvimento de sua competência comunicativa.
Um exemplo disso está no ensino das classes gramaticais, que são apresentadas ao aluno a partir de definições, sem que os critérios de classificação sejam explicitados ou que os objetivos da própria classificação sejam considerados. Assim, o aluno aprende nomes de classes e definições, faz exercícios, mas não consegue entender a razão de tais classificações. O que segundo Geraldi (1996, p. 133), é compreensível, uma vez que a teoria gramatical tradicional que embasa os estudos escolares não tem critérios muito precisos – ora os critérios são morfológicos, ora semânticos, ora sintáticos. Além disso, toda classificação responde a algum objetivo teórico (em língua não há classes naturais e aquelas que construímos respondem a alguma necessidade do estudo teórico que as produziu), e este objetivo nunca é explicitado no ensino da gramática (a classificação parece ter um valor em si). Em conseqüência disso, recursos humanos e materiais têm sido desperdiçados numa atividade vazia de significado, e após onze anos de escola o aluno ainda não se sente instrumentalizado lingüisticamente como deveria.
Apesar dos professores, durante a graduação, entrarem em contato com discussões teóricas que abordam os diferentes tipos de gramática e o texto sob diversas perspectivas, bem como experenciarem discussões sobre a relevância de se tomar o texto como “eixo” central do ensino de língua, na prática, tem-se observado um tratamento distinto, embora estes professores mencionem, em situação de entrevista, trabalhar o ensino do texto e da gramática de forma integrada. Pressupõe-se, então, que os mesmos são influenciados muito mais por seu conhecimento prático do que pelo conhecimento científico, propriamente dito, e, conseqüentemente, tentam ensinar os seus alunos da mesma maneira que aprenderam, isto é, a partir da sua cultura de aprender e ensinar.
Essa distância que há entre a formação teórica, o discurso e a prática dos professores, remete à importância da cultura de ensinar para entender o discurso e a prática do professor, uma vez que se torna relevante não só analisar o discurso deste, mas também a sua prática em sala de aula, bem como as crenças pessoais que exercem influência no contexto de ensino/aprendizagem.
Desta forma, considerando a hipótese/lacuna explicitada e o objetivo deste estudo, qual seja, explicitar as crenças de professores com relação a texto/gramática no ensino da LP, tem-se como orientação para a análise a seguinte pergunta de pesquisa: quais são as principais crenças apresentadas por professores durante o processo de ensino/aprendizagem da língua, principalmente, no que tange à relação texto/gramática?
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Nesta seção pretende-se refletir sobre a relação existente entre texto/gramatica, bem como discutir a relevância do estudo de crenças para entender o discurso e a prática do professor de LP.
Texto/gramática
Para entender as relações entre texto/gramática, retomam-se informações do percurso histórico-teórico da gramática e do espaço ocupado pelo texto no ensino de LP.
A disciplina gramatical foi criada na época helenística, com o objetivo de preservar a linguagem autenticamente grega, para transmiti-la às futuras gerações. Desta forma, a língua, numa visão escolástica, era considerada um patrimônio inacessível à maioria da população, conseqüentemente seu domínio era sinônimo de status social (Neves, 1987, p. 103). Esse caráter elitista da Gramática Tradicional transformou-a em instrumento de poder e de dominação de uma pequena parcela da sociedade sobre todos os demais membros da mesma.
Da mesma forma que a gramática, a palavra “texto” também tem sua origem na Antigüidade, fazendo parte da história da educação e da constituição da sociedade como um todo (Neves, 1987). Entretanto, os estudos realizados sobre o texto, durante longa data, não contribuíram com a elaboração de uma análise sistemática do mesmo, uma vez que este era tomado apenas como modelo.
Essa situação começa a ser questionada somente mais tarde, no séc. XIX, por Michel Bréal, com a semântica histórica. No entanto, apenas no século passado, na década de 20, é dado, pelos formalistas russos, o primeiro passo para o estudo do texto com Jakobson, que procura desenvolver uma análise imanentista do mesmo (Sargentini, 1999, p. 39). Assim, somente a partir do momento em que certas questões da linguagem não puderam ser respondidas dentro dos limites da palavra e/ou da frase, houve uma guinada pragmática nos estudos da linguagem, na década de 60, com o surgimento de inúmeras teorias lingüísticas preocupadas com o uso concreto da língua, provocando com isso um uso comum dessa noção. Porém, como essas teorias possuíam objetivos distintos o texto passa a receber diferentes conotações (Sippert, 2002).
Apesar da guinada pragmática ter se dado na década de 60, a discussão em torno do texto e da gramática chega ao Brasil, mais efetivamente, apenas na década de 80. Isso não significa dizer que a partir de então a gramática tenha perdido o seu lugar no ensino, o que acontece, na verdade, é que a palavra “texto” entra em voga. E o uso em demasia deste termo no ensino provoca inúmeras discussões (cf. Geraldi, 1996 e Travaglia, 1998, dentre outros).
Neste contexto, quando se fala em gramática torna-se necessário esclarecer de que é que se está falando, uma vez que, de acordo com Neves (2003, p. 29), é possível ir desde a idéia de gramática como “mecanismo geral que organiza as línguas” até a idéia de gramática como “disciplina”, e neste último caso, não se pode ficar num conceito único, sendo necessária uma incursão por múltiplas noções, tais como: gramática normativa, descritiva ou expositiva, gerativa, internalizada, funcional e assim por diante (Travaglia, 1998).
Dentre as gramáticas citadas, o presente estudo tem como base a gramática
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