Ensaio Sobre A Dádiva De Marcel Mauss
Israilde12 de Mayo de 2015
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Ensaio sobre a Dádiva de Marcel Mauss
Resumo para estudo
Ao examinar as formas de circulação dos bens em diferentes sociedades, Mauss se dedicou em compreender o caráter livre e gratuito, mas ao mesmo tempo obrigatório e interessado, dos atos de dar, receber e retribuir. Para Mauss a antítese do dom não é o Mercado: as interações sociais são movidas por razões que ultrapassam os interesses estritamente materiais.
O fio condutor dessa ótica é a noção de aliança que a dádiva produz, tanto as matrimoniais quanto as políticas (trocas de chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos como um relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de etiqueta e hospitalidade).
A Dádiva não inclui só presentes como também visitas, festas, comunhões, esmolas, heranças, um sem número de “prestações” que podem ser “totais” ou “ agonísticas”. Neste ensaio postula-se um entendimento da constituição da vida social por um constante dar-e-receber, universalmente estas são obrigatórias, mas organizadas de modo particular em cada caso (as variadas formas vão desde a retribuição pessoal à redistribuição de tributos).
Algumas trocas são, para Mauss, prerrogativas de chefias, receber tributo, por exemplo, podendo ser socialmente construídas de modo diferente, como privilégios e obrigações, etc. Sendo que, da chefia, freqüentemente, emanam valores que se estendem à sociedade como um todo generalizando-se. A dádiva da palavra ou objetos é frequentemente um dever da chefia, em um sentido ontológico: mais que condição necessária da sua existência, são manifestações particulares da chefia que se criaram por diferentes formas de troca.
Já na epígrafe do Ensaio exprime a dialética inerente à dádiva: A mesma troca que me faz anfitrião faz-me também um hóspede em potencial. Isto ocorre porque “dar e receber” implica não só uma troca material, mas também uma troca espiritual. É ainda neste sentido ontológico que toda troca pressupõe, em maior ou menor gral, certa alienabilidade. Ao dar, dou sempre algo de mim mesmo. Ao aceitar, o receber aceita ao do doador: a dádiva aproxima-os, torna-os semelhantes.
O estudo de Mauss, debruça-se sobre “tragédias distributivas” fazendo uma crítica ao paradigma utilitarista, no entanto, recusa alguns fundamentos como a noção de escassez. É fundamental a sua contribuição, de que a vida social não é só circulação de bens, mas também de pessoas (mulheres concebidas como dádivas em praticamente todos os sistemas de parentesco conhecidos), nomes, palavras, visitas, títulos, festas, etc.
A noção de contrato seria universal, mas, ao contrário dos contratualistas anglo-saxões, concebe os contratos como não individuais. Não se trata assim de acordos entre indivíduos racionais, mas de regras da organização social primitiva. Mauss generaliza a noção de contrato ao mesmo tempo em que a reformula. (Ele não utiliza o sentido de contrato entre indivíduos, como faziam os filósofos dos séculos XVII e XVIII, e é exatamente esse contrato maussiano que Lévi-Strauss substituirá pelo princípio de reciprocidade.)
Mauss também generaliza a noção de mercado. Ele supõe que o “mercado” sempre existiu, recaindo sua atenção na diversidade das formas de troca. (É claro que o autor tem consciência da importância de se pensar na especificidade do mercado ocidental.)
Entre suas maiores contribuições talvez estejam:
a) Mostrar os fatos que revelam que trocar é mesclar almas, permitindo a comunicação entre os homens, a inter-subjetividade, a sociabilidade.
b) Regras estas que manifestam simultaneamente na moral, na literatura, no direito, na religião, na economia, na política, na organização do parentesco e na estética. Sendo assim a troca um fato social “total”.
c) As trocas são simultaneamente voluntárias e obrigatórias, interessadas e desinteressadas, como eu dizia, mas também simultaneamente úteis e simbólicas.
Neste ínterim, como vimos, as trocas incluem bens mais ou menos alienáveis, assim como bens economicamente úteis ou não. Podendo incluir “serviços militares, danças, festas, gentilezas, banquetes, mulheres” em resumo, qualquer “circulação de riquezas” (incluindo-se aqui as mulheres) é apenas um momento de um “contrato mais geral e muito mais permanente” (MAUSS, 1974, p. 65).
Mauss chama esses diversos tipos de dádivas de “totais”. Uma forma, para ele, “evoluída” e “agonística” de “prestação total”, seria o potlatch dos índios da costa noroeste da América do Norte.
A troca também pode ai assumir a forma de destruição de riquezas, os escudos brasonados de cobre jogados ao mar. No Potlatch, a troca de certo modo, substitui a guerra, mas guardando um sentido de rivalidade: vence quem dá ou destrói mais, a “luta dos nobres” é a luta dos grupos. Maus (1974, p. 47) reserva ao Potlatch a denominação: “prestação total de tipo agonístico”, isto é, implica um desenvolvimento da rivalidade, uma maior institucionalização da competição.
A OBRIGAÇÃO DE RETRIBUIR
Maus inicia seu estudo sobre a obrigação de retribuir na Polinésia, nesta interessa especialmente ao autor a noção de mana. (noção também importante em partes da Melanésia, tendo noções semelhantes, também, no Potlatch da costa noroeste americana, implicando honra, prestígio e autoridade: não retribuir implica perda do mana).
Em Samoa (Polinésia) salienta-se a presença de uma classificação de bens e pessoas em:
i) Tonga: feminino (são as esteiras de casamento herdadas pelas filhas, e também, os tesouros, talismãs, brasões, tradições, cultos, rituais). Estes poucos circulam. Proibições os impedem de serem repassados à qualquer um. São bens de prestígios, carregados de mana. Estendemos aqui como os bens móveis.
ii) Oloa: masculino. Entendemos estes aqui como os bens imóveis.
iii) Inalienável: alienável
iv) Autóctone: extrangeiro
v) Hau: o espírito das coisas
vi) Utu: o pagamento.
Analisando as noções nativas de mana e hau Mauss conclui que: “ o que, no presente recebido e trocado, cria uma obrigação, é o fato que a coisa recebida não é inerte”. Neste sistema, “ o doador tem uma ascendência sobre o beneficiário” (MAUSS, 1974, p. 54). A transmissão cria um vínculo jurídico, moral, político, econômico, religioso e espiritual.
Maus observa também, que o sistema de Potlatch teria a finalidade de “fixar por instantes” uma hierarquia. Sendo que em monarquias estáveis (como na maioria das sociedades polinésias) não necessitam de instituições como o Potlatch . Assim os índios da costa noroeste evoluíram da prestação total simples à prestação total agonística, os da Polinésia teriam evoluído desta última à monarquia. Não sendo este raciocínio puramente evolucionista, pois concede que uma sociedade pode se desenvolver em diferentes sentidos, institucionalizando ora a dádiva, ora a centralização política.
Mauss ambiciona mostrar a generalidade da lógica da dádiva, por ele esboçada anteriormente. Comenta que comparar civilizações não implica desvendar as “conexões” entre elas.
No que trata-se a moeda, Mauss observa apenas a sua função de meio-de-troca (meio de pagamento), mas não vê sua função de padrão geral de valor (medida de uso), isto é, não parece estar ciente da especificidade da moeda capitalista como um “valor que generaliza” de modo não hierárquico, concepção criticada por Malinowski (MAUSS, 1974, p. 75). Talvez seja porque nas sociedades não-capitalistas, os valores só se generalizam de modo hierárquico (no sentido de Dumont). Isto é, o valor de certos objeto pode não ser no sentido de sua generalização quantitativa, como padrão ou medida de troca. Por exemplo, seu valor pode estar em uma capacidade regenerativa milagrosa ou em uma capacidade emblemática para representar todo um clã ou linhagem.
O que distingue a moeda capitalista das “moedas” hierárquicas é que estas são menos alienáveis. (Talvez possamos dizer assim: possuem menos liquidez). No capitalismo a moeda destrói as esferas de troca, acabando com a possibilidade de uma dessas esferas vir a ser hierarquicamente superior. A divisão fundamental passa a ser entre o que é ou não é mercadoria, isto é, passível de compra e venda, ser trocado por dinheiro; no mercado, a moeda passa a ser uma medida geral. No capitalismo, a própria alienabilidade passa a ser um valor; todos desejam a moeda por esta ser aquilo que pode, potencialmente, tudo alienar.
Quando Mauss refere-se em seu ensaio sobre as sociedades Melanésias, observa que eles “não tem a idéia de venda [...] e contudo fazem operações jurídicas e econômicas que tem idêntica função”. (apud SAPIR, 1994, P. 91). Diz-se o mesmo dos índios da costa noroeste da América, que desenvolveram uma rica civilização material e espiritual, como demonstram, por exemplo, suas esculturas, mas curiosamente, não conheciam nem a agricultura nem a cerâmica.
Duas noções, no entanto, são mais bem evidenciadas que o potlatch melanésio ou que nas instituições mais evoluídas ou mais decompostas da polinésia: é a noção de crédito, de termo, e também a de honra.
“As dádivas circulam, como nós vimos, na Melanésia e na Polinésia, com a certeza de que serão distribuídas, tendo como “garantia” a virtude da coisa dada que é, ela própria, essa “garantia”. Mas, em toda a
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